sábado, junho 02, 2007

ESTÃO AÍ OS DIAS DE FESTA

Desde miúda que me lembro do mês de Junho em Lisboa. Costumava chegar com os primeiros calores. Havia jacarandás nas ruas, pétalas lilases no chão, um cheiro a quente no ar. Era tradição ir passear para Alfama e esfregar a palma das mãos nos manjericos. Havia noites de lua cheia. Cheias de sons e de música.
As minhas memórias dessa Lisboa têm a ver com muita gente nas ruas, gritos nas janelas, conversas de beiral para beiral. Visto assim, parece um bilhete postal. Mas não era.
Naquela Alfama, onde eu só ia nas festas – só mais tarde passei a ir todo o ano, para tirar fotografias – passavam-se outras coisas. Era perceptível, pela ditos das vizinhas, os choros das crianças, uma palavra mais agreste dita por um homem. As ruas estreitas eram, como hoje são, bastante sujas e o cheiro no ar era pesado. Nessa Alfama, de origem evidentemente mourisca, o vento sopra com dificuldade. Aí, nada das outras ventanias lisboetas a que eu me tinha habituado: a esquina da Rua Augusta com o Rossio, o Marquês; alguém se lembra de ter passado lá sem vento? Isto para já não falar de zonas mais recentes de Lisboa, como as chamadas Avenidas Novas, ou o Campo Grande, onde os ventos, ao contrário dos jacarandás, são perenes.
O ar parado assentava em Alfama como uma mancha de óleo. Mas naquele tempo o tempo estava também parado. Embora não soubéssemos.
Voltei a Alfama recentemente, com uns amigos estrangeiros, e pude aperceber-me de que está tudo igual. Ou semelhante. E há na mesma aquele vago cheiro a maresia. A fritos. A gritos.
Já se assam sardinhas em fogareiros modernos, há bares pós-modernistas, fala-se sobretudo espanhol, mas que interessa?
Se puderem dêem um salto a Alfama em Junho. Há sítios para todas as idades. Como o Ondajazz, por exemplo, onde se podem ouvir bons conjuntos (ouvi lá os Anima Nuvolari e foi óptimo). Ou casas de fados. Ou de petiscos.
E divirtam-se. Sigam o conselho de Ésquilo, há dois mil e quinhentos anos, e façam o favor de ter uma noite tão boa quanto possível.

3 comentários:

Jorge disse...

Bonito texto.

Miguel Fabiana disse...

Curioso...este fim-de-semana consegui (re)encontrar estas sensações que a Clara descreve, mas no 14éme arrondissement de Paris. Na Rue Daguerre reencontrei-me comigo mesmo. Definitivamente Paris é a "minha" Capital e o restaurante "Chez Papa" o seu capitólio, onde os odores da Gascogne se misturam e elevam os sentidos, com tinto Haut-Medoc. No Jardim Luxembourg, em Paris, é o meu jardim Zen. Almoçar em Sacré-Coeur de Montmartre, num banco de jardim, só na a companhia de uns queijos, enchidos e uma botelha de Cidra, seguidos de uma sesta repousante é estar mais perto do céu. Em Paris, é que eu vou "pra fora cá dentro".

Clara Pracana disse...

Hum, Paris... O Miguel não me tente senão ainda escrevo outro post nostálgico... Pois é, o Sacré-Coeur é dentro de cada um de nós, seja no 14ème, seja no Beco de S.Miguel.