Os avanços tecnológicos estão a criar autênticas
revoluções a nível da relação espaço-tempo nas nossas sociedades ocidentais
globalizadas (ver post sobre artigo de Michel Serres para mais informação sobre
o tema). Parece que quase tudo na vida se tem vindo a tornar fácil e imediato:
o adiamento da frustração, assim como, os limites à gratificação associados ao
modo ”ter” (por contraste ao “ser”), tendem a esbater-se. A nível da vivência
subjetiva do tempo passamos a ter tendência a viver desfazados do “tempo da
realidade” – o tempo presente, onde o principal e o verdadeiro acontece.
Passa-se pois a viver no passado, por exemplo, na busca contínua e repetitiva
do experienciado gratificante e seguro, mas também num futuro, promessa
megalómana da realização dos nossos sonhos (os Bancos são os nossos gurus a
esse nível!).
E com tudo isto o presente estreita-se e fica vazio,
cada vez mais vazio. É preciso preenchê-lo com sensações e experiências excitantes
e alienantes (das realidades virtuais, dos reality shows, da vida dos heróis e
ídolos da nação...): é a substituição do espaço-tempo da realidade próxima que
nos cerca, por várias outras que, quando acabam, saem de cena abruptamente
deixando um vácuo no seu lugar.
O “ter” é cada vez mais possível e, por isso
mesmo, tem tomado cada vez mais o lugar compensatório do “ser”, em défice – é
que a facilidade e conforto de vida não podem nem compensam nunca a experiência
irredutível da relação humana e dos vínculos humanizantes que a caracteriza no
seu melhor. A este nível são os por-menores que alimentam o “ser”, momento a
momento; é a entoação ternurenta e altruista de uma palavra banal, um gesto
atento mas totalmente gratuito ou um cliché pronunciado com todo o coração. É
pois numa relação sanígena, de dádiva, reconhecimento e valorização que o vazio
pode ser preenchido com vitalidade, entusiasmo e amor, dispensadores da busca
angustiada de um sentido da vida.
É também esta a lógica da relação terapêutica: a
atenção aos detalhes e aos processos emocionais, que muitas vezes passam
despercebidos, por serem automáticos, ficando ofuscados pelos “por-maiores”
sensacionalistas das nossas vidas...
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