Na última edição de 'Janela discreta', na Antena 1 - que pode ouvir na íntegra em http://www.rtp.pt/programa/radio/p5257/c87543 -, Carlos Amaral Dias à conversa com Margarida Mercês de Mello parte da reflexão acerca da anestesia e dor, a propósito de um livro recentemente lançado sobre o tema, afirmando:
“Crescer dar dor, não crescer dá dor (do ponto de
vista mental). Agora escolha a dor que quer”.
A tendência para nos anestesiarmos do mundo ou, por outras palavras, para nos alienarmos, encontra suporte numa "sociedade química ou
fármaco-excessiva", que favorece a fantasia de tudo ser resolúvel através do consumo de
substâncias.
No plano identitário dos portugueses, e dando como exemplo alguns acontecimentos recentes, para Amaral Dias é evidente a maior resignação dos portugueses, comparativamente aos espanhóis ou aos gregos.
Guerra Junqueiro, há mais de um século falava assim de Portugal e dos portugueses:
- "Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
- Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
- (...)
- Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
E a resignação, que não promove o crescimento ou a mudança, é muito diferente da esperança. Muitas coisas estão a mudar no nosso tempo, visível e invisivelmente, mais lenta ou aceleradamente, como é o caso da sociedade de consumo e da abundância.
E “a esperança é absolutamente fundamental para que nós tenhamos a possibilidade de organizar a relação com os nossos desejos e o tempo necessário à realização dos nossos desejos."
E "do ponto de vista mental enquanto há esperança é que há vida", e não vice-versa, como nos diz o provérbio.
Por outro lado, se "o futuro deve manter a capacidade de dar-nos esperança", acrescento, somos nós que precisamos de desenvolver a capacidade de ter esperança no futuro, reflectindo e intervindo, manifestando-nos e apontando novas possibilidades, correndo o risco de não ser o 'português suave' ou o menino bem comportado da Europa.
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