Nos últimos tempos tenho tido conhecimento de um número
crescente (e extremamente preocupante) de casos de auto-mutilação na
adolescência e pré-adolescência. Raramente estas situações recebem o devido
acompanhamento pois, mesmo quando os pais nos procuram numa fase inicial, quase
sempre se encara a auto-mutilação como uma simples chamada de atenção. Quando
uma pessoa (seja de que idade for) se magoa a si própria deliberadamente, há de
facto um alerta, uma chamada de atenção se assim lhe quiserem chamar. Mas está
longe de ser algo simples.
A auto-mutilação ou a dor auto-infligida é sinónimo de
grande sofrimento emocional que requer intervenção urgente. A dor emocional é
tão avassaladora que, não encontrando outra forma de se expressar ou
exteriorizar, é expulsa através da dor física que mascara a primeira, trazendo
um certo alívio. Mas este alívio é obviamente temporário, levando à busca
repetitiva da dor física, que acaba por assumir características
obsessivo-compulsivas. Por outro lado, o sofrimento emocional, ao tornar-se
insuportável, conduz a uma espécie de anestesia afetiva e a um sentimento de
morte interior que faz com que a dor física (e o sangue) seja a única forma de
confirmar que se está vivo e que se sente algo.
Por isso, esta chamada de atenção é isso mesmo, uma chamada
de atenção, um pedido de ajuda, um grito por socorro. Mas é também um grito
silencioso, pois na maior parte das vezes este é um comportamento secreto,
mantido em privado. Não é uma birra. Uma birra é a expressão de algo, é manifesta,
é evidente e causa incómodo e resposta por parte de quem rodeia. Neste sentido,
quando se descobre que uma criança, um adolescente ou até mesmo um adulto se
mutila, há que procurar ajuda urgente. Trata-se de alguém que precisa de ser
ajudado a identificar e a interpretar o que sente e a encontrar outras formas
de lidar com o sofrimento e de o expressar. E este será um trabalho prolongado
e profundo, pois as feridas e as cicatrizes internas demoram mais tempo a sarar
do que as que se veem por fora.
E não importa se foi a primeira vez ou se a ferida é
superficial. Mesmo que assim seja, se tal aconteceu, é porque por dentro o dano
já é grande.
Sinais de Alerta:
- Feridas, cicatrizes e nódoas negras frequentes e injustificadas (pulsos, braços, peito e coxas sãos os locais mais comuns, mas não exclusivos), ou explicadas por acidentes constantes por se ser desastrado
- Feridas que demoram a cicatrizar (por haver insistência no mesmo local)
- Objetos pontiagudos ou cortantes entre os pertences habituais (tesouras, agulhas, caricas, navalhas, cacos de vidro, lâminas)
- Usar persistentemente roupa que cobre todo o corpo, mesmo no Verão (mangas compridas, gola alta, calças)
- Manchas de sangue na roupa, nos lenços, nos lençóis ou nas toalhas
- Tendência ao isolamento por períodos longos (habitualmente no quarto ou na casa de banho)
- Irritabilidade frequente e sobretudo quando confrontado/a com as marcas (feridas, nódoas negras, cicatrizes, sangue)
2 comentários:
Partilhei.
http://esqueciaana.blogspot.pt/2012/11/cortar-se-do-blogue-salpicos-auto.html
Como professora e diretora de turma de uma adolescente com este problema, considero este texto interessantíssimo, embora não tenha contribuído para atenuar o choque da descoberta.
Como mãe, não sou capaz de imaginar o que se sente, como se pode reagir ao tomar conhecimento da dimensão do sofrimento que pode levar um filho a agir desta forma.
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