Leio sempre com gosto os artigos de João Carlos Espada, que agora escreve ao sábado no i. É o nosso liberal de serviço, e ainda bem que o temos,porque a espécie não abunda em Portugal. Porquê? Bem, parece uma tautologia, mas uma das explicações reside no facto de não termos uma tradução liberal de pensamento. Os ingleses têm-na e souberam travar as tendências absolutistas dos seus governantes há séculos. A gente ainda anda a aprender, mas sem muita vontade.
É verdade que os "anos de chumbo" da ditadura salazarista também não ajudaram nada. Gerações e gerações amordaçadas e sem capacidade crítica (e de auto-crítica). Só isto pode explicar as tentativas patéticas da ERC para proibir comentadores/candidadatos, com o pretexto da igualdade de acesso. Como se não bastasse já a reduzida participação cívica das pessoas, a ausência de discussão de ideias e a aberração de não sabermos em quem votamos (as famosas listas de candidatos), ou seja, de pensarmos que votamos num conjunto de pessoas e saem-nos outras na rifa. Os programas eleitorais parecem feitos para gozar com a gente. Nem eles acreditam naquilo, nem nós, que já sabemos que é para não cumprir, mas todos jogamos ao faz-de-conta.
Tudo isto vem a propósito do tal espírito liberal que nos passou ao lado na roda da história. Uma coisa completamente diferente é o relativismo cultural e moral, que tanto está na moda e que, associado ao politicamente correcto, e à omnipresença tentacular do Estado e das suas clientelas, cria monstros por toda a parte. As criaturas fogem ao controlo do criador, como o monstro de Frankestein, e estão por aí à vista. Na melhor das hipóteses, dão pelo nome de ASAE, ERC, etc. Na melhor das hipóteses.
3 comentários:
Palmas, Clara. Que texto sensacional. Era tão difícil dizer tão bem tudo aquilo. Eu queria, mas não consegui. Mas não tenho inveja, juro.
Por acaso fiquei a pensar se os leitores não poderiam confundir o liberalismo que refiro no post com o liberalismo económico, que já é outra questão. Acho que há que repensar, e urgentemente, a questão do papel do estado nas sociedades modernas. Um estado fraco dá lugar às máfias, um estado tentacular e clientelista, também. Curioso, não é?
Precisa-se estado forte mas respeitoso das liberdades dos cidadãos e que não nos trate como atrasados mentais - dava para pôr um anúncio.
O que é que isto ver a ver com a psicanálise? Tudo. A forma como vemos o mundo e "estamos" nele depende dessa interacção misteriosa entre o nosso mundo interno e a realidade externa.Coisa que o Freud lembrou toda a vida.
Pois é. Era preciso um Estado que estivesse legitimado como sério e capaz, que tivesse firmeza, agisse no interesse das pessoas, mas fosse pequeno e não absorvesse metade da riqueza nacional. Tinha de ser implacável com a corrupção.
E para isso era também preciso que os portugueses tivessem abertura de espírito e mais tolerância com os outros do que consigo mesmos, tivessem sentido da dignidade própria e da dos outros.
E não digo mais, tantas são as faltas e tão difíceis de colmatar.
No entanto, Clara, e não sei se isto tem a ver com a psicanálise, é preciso não perder a esperança, não desistir e, em vez de disparar contra tudo e todos ou de se fechar na casca ensimesmada do eu, é preciso que cada uma vá fazendo o que acha e como acha que deve ser feito.
Não sei se tenho autoridade pessoal para dizer isto.
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