Há tempos li um artigo numa revista que falava dos
malefícios da psicoterapia e de como “o psicólogo” quase estragara a vida a
algumas pessoas… E não são raros alguns
comentários que, direta ou indiretamente, ecoam esta ideia.
Ao contrário do que pode ser a opinião de algumas pessoas, o
psicoterapeuta não tem a função de dar palmadinhas nas costas do paciente. O
trabalho terapêutico passa pelo levantamento da história da pessoa e pela
compreensão das suas vivências nos diferentes contextos de relação com o outro
e consigo próprio. Este trabalho aprofundado levanta o pó muitas vezes
sedimentado ao longo de anos através de mecanismos de defesa. Um pó que, apesar
de aparentemente inócuo e varrido pela idade, ocupa demasiado espaço na vida
interior de cada um e impede o encontro com recursos emocionais mais limpos e
mais eficazes. Por isso, muitas vezes os pacientes trazem-nos uma determinada
queixa e esta é abordada através de outras vivências que aparentemente nada têm
a ver com a preocupação atual.
Quando utilizamos o computador, organizamos os ficheiros por
pastas: fotografias, documentos, músicas, e não podemos guardá-los todos ao
longo da nossa utilização. Temos de apagar alguns itens, enviando-os para o
recycle bin, que depois deve ser esvaziado. De tempos a tempos, temos ainda de
fazer correr o anti-vírus e de eliminar ficheiros temporários e cookies. Caso contrário,
o sistema fica demasiado pesado e lento, vulnerável a ameaças, e deixa de
funcionar eficazmente.
Passa pelo nosso trabalho, levar o indivíduo a perceber o
modo como o pó ou o lixo do passado interfere com o seu funcionamento atual.
Este é, muitas vezes, um trabalho doloroso. De certa forma, faz parte da nossa
cultura, não mostrar os sentimentos, aprender a disfarçar, fazer de conta que
não acontece, mascarar a tristeza e fingir que a mesma não existe. É uma
espécie de “Vou andando, obrigado”, resposta sempre pronta quando alguém
pergunta como estamos. Em psicoterapia não pretendemos que o paciente vá
andando, muito menos em cima de terrenos sinuosos, areias movediças e buracos
escondidos.
Muitas vezes é preciso destruir, ou pelo menos sacudir, para
construir alicerces mais sólidos e estáveis. E este processo implica entrar em
contacto com afetos nem sempre fáceis de gerir (porque ao contrário do
computador, não se podem eliminar definitivamente as memórias), a necessidade
de deprimir e ir ao fundo, para depois submergir com maior fôlego. E é aqui que
as coisas se complicam com alguma frequência. O paciente diz-nos “eu vim aqui
para ficar melhor e parece que estou pior”. Por vezes são até as pessoas que
rodeiam o paciente que reforçam esta ideia, porque passam a existir respostas
que até aqui não se viam (maior revolta, maior expressão da tristeza, etc). O
pior é a confrontação com os fantasmas e os sentimentos adormecidos. O melhor é
que esta fase não vai durar para sempre.
É uma espécie de reciclagem, o
tratamento do lixo emocional, para transformar em novo e melhor, mais
adaptativo. Há histórias mais dolorosas que outras e processos mais demorados
que outros. E algumas vezes a realidade é tão dura e os recursos ainda tão
frágeis que, no meio desta viagem, o paciente prefere acreditar que é a
psicoterapia que lhe faz mal e sai uma paragem antes.
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