quarta-feira, janeiro 02, 2013

Super-eu; Ideal de Eu e Eu ideal

No outro dia em conversa (via email) com uma colega tentei clarificar, para mim e para ela, estes 3 conceitos nem sempre fáceis de distinguir.

Achei que o resultado final desse esforço foi interessante e por isso partilho convosco.





Super-eu: objeto interno formado pelos derivados do complexo de Édipo e sua resolução. Imagos parentais combinadas ou individualizadas correspondentes a normas de socialização precocemente internalizadas, internalização e consequente adesão/identificação inconsciente a valores morais, normas de conduta, comportamentos ritualizados, estrutura relacional de casal parental, etc derivadas da experiencia vivencial da relação com o casal parental aquando do Édipo e sua resolução.



Ideal do Eu: Objeto interno formado pela construção de valores morais, estéticos e filosóficos aplicados à sociedade e ao mundo. Penso que inicialmente é uma assimilação dos valores diretos (ou por oposição, inversos) dos pais e das figuras de referencia das relação precoce e depois é reestruturado (reavaliado) na adolescência. É assimilado por identificação inconsciente ou contra-identificação (adere a valores opostos aos dos pais).

Eu Ideal: objeto interno formado pela internalização das construções de expectativas dos outros em relação a si próprio. Inicialmente identificação inconsciente com aquilo que os pais queriam que ele fosse e depois, construção de uma imagem idealizada de si construídas com base em figuras de identificação idealizadas: professores, figuras publicas (cantores, atores, etc).  

O super-eu está mais ligado à culpa porque o afeto dominante aquando da sua constituição é o desejo de usurpação do lugar de um dos progenitores e esse mesmo desejo é gerador de culpa inconsciente, ficando o sentimento ligado e fazendo parte do própria objeto, é um objeto gerador de culpa porque estimula inconscientemente o desejo de usurpação.

O afeto dominante do Eu ideal é a vergonha porque não se ser capaz de corresponder às expectativas é gerador do sentimento de defraudar o objeto (ou seja de defraudar-se a si próprio, porque o objeto que gera a expectativa foi tb interiorizado), não sendo suficientemente bom para cumprir com o mandamento do Eu ideal. Por ultimo, acho que o Ideal do Eu organiza um sistema moral mais amplo e abstrato (como por exemplo, a honestidade, a justiça, a verdade, etc) e contribui para organizar um sentido de vida. Um ideal de eu pouco estruturado deixa a pessoa “perdida” sem saber porque valores se nortear.

Se pensarmos em termos de linha evolutiva e aparecimento/fortalecimento destes objetos, acho que o Super-eu é o mais arcaico, tem uma constituição precoce (concordo com a Klein quando ela diz que o super-eu começa a ser construído a partir das primeiras experiências parentais); depois é o Eu ideal que começa a ser formado a partir do momento em que os pais começam a devolver à criança a imagem daquilo que ele é e deveria de ser. Tem uma relação estreita com o narcisismo e o sentimento de se ser aceite ou rejeitado pelo outro. Pode promover a construção de um falso-self para corresponder à expectativa depositada e tentar colocar o Eu ideal no lugar do EU. Por ultimo vem, acho, a constituição do Ideal de Eu, já presume uma compreensão relativamente complexa do social e das relações sociais, uma capacidade de pensamento abstrato relativamente forte, acho que é o nosso lado político – pegando na ideia de que os seres humanos são animais políticos. O ideal do Eu presume que já existe um EU constituído e estável que desenvolve, ele mesmo, um sistema de valores ou que escolhe e assimila (por identificação) valores e sistemas de valores que norteiam as dinâmicas sociais. Acho que está mais ligado à socialização e à componente gregária. Um ideal de Eu forte e estruturado é revelador, na minha opinião, de uma mente elaborada com preocupações e interesses sociais. O Ideal do Eu pode ser moldado pela própria patologia. O perverso terá um ideal de eu que satisfará as próprias necessidades perversas, um obsessivo terá um ideal de eu que seja conforme as necessidades patológicas de limpeza, arrumação, ordem, obediência, etc... O ideal do Eu pode enfermar da patologia do próprio Eu, já que é produção desta instância. Em patologias muito graves, esquizofrenias precoces, autismos, debilidades mentais, etc, acho que é um objeto interno que poderá nunca se chegar a desenvolver.

O super-eu é o único que é simultaneamente um objeto interno e uma instância. Acho que eles também se podem cruzar, isto é, acho que se podem fundir temporariamente (ou de forma mais permanente) e por vezes o Eu ideal está fundido com o super-eu; o ideal de Eu tb se pode fundir com o super-eu e o Eu ideal e o Ideal de Eu tb podem ficar fundidos. Quando as fusões são temporárias e circunscritas o objeto compósito (gerado pela fusão) é mais forte que qualquer um deles isolado e pode sobrepor-se ao eu (esmaga-lo ou o Eu assumir, por identificação, as propriedades desse objeto). Quando isso acontece a personalidade é dominada por esses objetos, perdendo liberdade e ficando “deformada”. Tal como podem acontecer fusões também poderão dar-se desfusões e fragmentações dos objetos que fragilizam o Eu. Acho que o Eu pode utilizar estes objetos internos como “egos auxiliares” que “ajudam ou obstaculizam” o EU a conseguir realizar a sua tarefa principal, isto é, gerir as exigências do Super-eu, do Id e da realidade externa de forma a potenciar a sobrevivência psíquica e o amadurecimento da personalidade.  

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