domingo, novembro 12, 2006

Psicoterapia Existencial

A psicoterapia existencial não se baseia numa teoria do aparelho psíquico ou da personalidade. Fundamenta-se na filosofia da existência e tem como método de investigação a fenomenologia. Tem como objectivo a análise da existência e o seu objecto de estudo é o ser-no-mundo.

Não há uma única e unificada perspectiva da psicoterapia existencial. Tal como não há um entendimento uno da psicanálise, como diria o Prof. António Coimbra de Matos, existem sim, um conjunto de investigações psicanalíticas. O mesmo acontece com a psicoterapia existencial. As contribuições da fenomenologia de Edmund Husserl e da filosofia da existência, onde se incluem autores como, Sören Kierkegaard, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, influenciaram decisivamente a cultura contemporânea, as ciências sociais e humanas, em particular, a psicologia e a psicoterapia. Nesta última, deram origem as diferentes sensibilidades terapêuticas, inicialmente desenvolvidas por Ludwing Binswanger e Medard Boss, posteriormente diversificadas em diferentes escolas terapêuticas, de que são exemplo a Daseinsanálise, a Escola Humanista-Existencial Norte-Americana, a Psicoterapia Existencial desenvolvida por Ronald Laing e, mais recentemente, a Escola Britânica de Análise Existencial.

Importa sublinhar igualmente, todo um corpo teórico e de investigação que tem vindo a ser desenvolvido a nível internacional, desde o início do século XX, pela psicologia fenomenológica, criando assim um espaço epistemológico fundamental entre filosofia, psicologia e psicoterapia.

Propomo-nos apresentar, muito sucintamente, aqueles que nos parecem ser os princípios unificadores da psicoterapia existencial, se quisermos, pressupostos epistemológicos que terão, naturalmente, implicações na intervenção terapêutica.

Espaço Inter-relacional

As relações que a pessoa estabelece reflectem e expressam a forma única e particular que cada um de nós tem de ex-sistir no mundo. Só é possível fazer sentido da vivência humana no e pelo seu contexto relacional. Esta perspectiva coloca ênfase numa visão inter-psíquica do homem em contraponto a um olhar intra-psíquico.

Intencionalidade

O que define um acto de consciência? A fenomenologia salienta o carácter intencional da consciência. Toda a consciência é consciência de algo. A intencionalidade salienta que os actos de consciência não existem por si mesmos, estão sempre direccionados a algo. A consciência não actua fechada sobre si mesma. A plasticidade do sentido é igualmente realçada. Sujeito e objecto, são co-constituídos, interdependentes um do outro, influenciando-se mútua e permanentemente. A interrogação da intencionalidade é sobre o sentido. Somos seres em permanente criação de sentido.

Visão do Mundo (World View)

O self é pois construído relacionalmente. A existência permanece aberta, em constante flutuação. Passamos pelas etapas de crescimento que a psicologia do desenvolvimento salienta. No entanto, vamos criando e sedimentando uma visão do mundo. Formamos significados sobre a nossa forma de estar, de como nos posicionamos em relação aos outros, como nos colocamos no espaço social. A visão do mundo – o world view é a construção psicológica incarnada que temos de nós próprios. Os nossos pressupostos têm origem na necessidade que temos de dar sentido à nossa vivência. O sentido da existência é formado pela consciência intencional, criando a nosso world view.

Angústia Existencial

A visão do mundo coabita em paradoxo. A sua plasticidade possibilita transformações. Por outro lado, constitui-se como edifício sedimentado, que permite orientar-nos e se torna, por vezes, inquestionável. São regras adquiridas. Formam a nossa identidade, os nossos limites e horizontes de acção. Se todo o sentido da nossa vivência é construído no espaço inter-relacional, então, este não depende apenas de mim, precisamente, é sempre co-constituído com um Outro. Experiencia-se, neste sentido, o abismo de uma incerteza que nos envolve. A noção de conflito é importante nesta perspectiva, conflito provocado pela própria responsabilidade da liberdade que nos assiste, ao ter de escolher a nossa existência, sempre em contexto de uma facticidade própria e singular.

Psicoterapia Existencial

O psicoterapeuta existencial irá procurar mapear a tensões existenciais que as pessoas vivem. Os dados da existência, i.e., as noções de angústia, sentido ou falta de significado, responsabilidade e liberdade de escolha, do limite temporal da nossa existência, da autenticidade ou inautenticidade perante si e os outros, a solidão que pode ser experienciada ainda que vivenciada num mundo relacional, a consciência de temporalidade, de espacialidade e corporalidade, bem como forma como vivemos o sonho, o devaneio, são aspectos cruciais para se promover uma análise do pro-jecto existencial.

O objectivo do psicoterapeuta é estabelecer uma relação de confiança, promovendo um espaço seguro e adequado para se realizar uma investigação, uma exploração da maneira como a pessoa está no mundo. Clarificar e descrever, em primeiro lugar, o modo como a pessoa é em e na relação. A preocupação central, deste modo, não é o alívio do sintoma, alterar esquemas cognitivos ou provocar a mudança. Estes poderão ocorrer, provavelmente a próprias pessoas que procuram uma psicoterapia assim o desejem, no entanto, a ênfase teórico-prática desta abordagem não passa inicialmente por uma perspectiva de cura. Como se investiga o ser-no-mundo?

Serão necessários seguir alguns princípios. São princípios orientadores não deverão ser entendido como esquemas estanques ou rígidos.

O primeiro movimento do terapeuta existencial, passa por um despojamento do seu saber, acção que assenta na redução fenomenológica. Colocar, por momentos, entre parêntesis os conhecimentos teóricos, evitando a pressa de aplicar grelhas explicativas à existência singular que se apresenta perante nós. Num primeiro momento descreve-se, não se interpreta.

Paralelamente, o terapeuta tem uma postura de not-knowing, (noção inicialmente introduzida por Karl Jaspers), i.e, partirmos do princípio que não conhecemos verdadeiramente a experiência do outro e, que os nossos quadros teóricos não têm necessariamente uma explicação válida, para os fenómenos que nos surgem, tal como surgem.

Significa assim haver uma aceitação do outro tal como ele é. Manter e ficar com a experiência do outro tal como ela se nos apresenta. Parecendo um ideia óbvia, diríamos que, mais frequentemente do que por vezes nos apercebemos, o terapeuta afasta-se desse outro que o procura, refugiando-se nos seu saber teórico, espaço de aparente segurança.

Com o desenvolvimento do processo terapêutico, estabelecida uma boa aliança, o terapeuta existencial, poderá então utilizar a principal ferramenta de investigação: a relação que estabeleceu com a pessoa que o procurou. A relação terapêutica, sem caminhos previamente estabelecidos, constitui-se assim como espaço de construção entre sujeitos que se colocam numa posição propícia para perspectivar o horizonte de possibilidades do ser-aí se interpretar. Um interpretar que é feito a partir de uma co-narrativa, com uma dinâmica interna e que se projecta nesse espaço intersubjectivo relacional, como mundo outro. Um outro de si-mesmo.

O espaço terapêutico existencial, lugar de encontro entre alteridades, tem como objectivo promover o confronto com as possibilidades e as limitações de transformação pessoal e de responsabilização pela construção da existência singular de cada um de nós.

Daniel Sousa
Sociedade Portuguesa Psicoterapia Existencial
Psicoterapeuta Existencial (Society For Existential Analysis, London e UKCP - United Kingdom Council for Psychotherapy, London)

Auto-conhecimento e saber viver

1 - Faça pausas de dez minutos a cada duas horas de trabalho, no máximo. Repita essas pausas na vida diária e pense em si, analisando as suas atitudes.
2 - Aprenda a dizer não sem se sentir culpado ou achar que magoou. Querer agradar a todos é um desgaste enorme.
3 - Planeie o seu dia, sim, mas deixe sempre um bom espaço para o improviso, consciente de que nem tudo depende de si.
4 - Concentre-se numa coisa de cada vez. Por mais ágeis que sejam os seus processos mentais, poderá cansar-se excessivamente.
5 - Esqueça, de uma vez por todas, que é imprescindível. No trabalho, em casa, no grupo habitual. Por mais que isso lhe desagrade, tudo anda sem si, a não ser, você mesmo...
6 - Abra mão de ser o responsável pelo prazer de todos. Não é você a fonte dos desejos, o eterno mestre de cerimónias...
7 - Peça ajuda sempre que necessário, tendo o bom senso de pedir às pessoas certas.
8 - Diferencie problemas reais de problemas imaginários e elimine os imaginários, porque são pura perda de tempo e ocupam um espaço mental precioso para coisas mais importantes.
9 - Tente descobrir o prazer de factos quotidianos como dormir, comer e tomar banho, sem também achar que é o máximo a se conseguir na vida.
10 - Evite envolver-se na ansiedade e tensão alheias enquanto ansiedade e tensão. Espere um pouco e depois retome o diálogo, a acção.
11 - Família não é a sua pessoa. Está junto a si, compõe o seu mundo, mas não é a sua própria identidade.
12 - Entenda que princípios e convicções fechadas podem ser um grande peso.
13 - É preciso ter sempre alguém em que se possa confiar e falar abertamente ao menos num raio de cem quilómetros. Não adianta estar mais longe.
14 - Saiba a hora certa de sair de cena, de retirar-se do palco, de deixar a roda. Nunca perca o sentido da importância subtil de uma saída discreta.
15 - Não queira saber se falaram mal de si e nem se atormente com esse lixo mental; escute os que falaram bem, com reserva analítica, sem qualquer convencimento.
16 - Competir no lazer, no trabalho, na vida a dois, é óptimo... para quem quer ficar esgotado e perder o melhor.
17 - A rigidez é boa na pedra não no homem. A ele cabe firmeza, o que é muito diferente.
18 - Uma hora de intenso prazer substitui com folga 3 horas de sono perdido. O prazer recompõe mais que o sono. Logo, não perca uma oportunidade de divertir-se.
19 - Não abandone as suas três grandes e inabaláveis amigas: a intuição, a inocência e a fé.
20 - Entenda de uma vez por todas, definitiva e conclusivamente: Você é o que fizer.

Conselhos dados por Guerdjef e publicados pelo Instituto Francês de Ansiedade e Stress. A tradução é brasileira pelo que nem sempre faz uso de um português correcto.
Genericamente estes conselhos são bastante interessantes, mas elencar em 20 itens, os princípios orientadores de auto-conhecimento e saber viver é sempre, na minha opinião, uma falácia.
Auto-conhecimento e saber viver são descobertas pessoais que implicam percorrer um caminho individual e não a adesão a princípios pré-estabelecidos.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O Mestre e o escorpião

“Um Mestre Oriental viu um escorpião que se estava afogando, decidiu tirá-lo da água mas quando o fez, o escorpião picou-o.

Como reacção à dor, o Mestre soltou-o e o animal caiu à água e de novo estava a afogar-se.
O Mestre tentou tirá-lo outra vez, e novamente o escorpião picou-o.
Alguém que tinha observado tudo, aproximou-se do Mestre e disse:

- Perdão, você é teimoso? Não entende que de cada vez que tentar tirá-lo da água ele o picará??!
O Mestre respondeu:
- A natureza do escorpião é picar e isso não muda a minha natureza, que é ajudar.

Então, com a ajuda de um ramo, o Mestre retirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida.
Não mudes a tua natureza se alguém te magoar. Apenas toma precauções.”


Na prática terapêutica muitas vezes somos confrontados com pessoas que não conseguem mudar a sua “natureza”, cabe-nos ser criativos como o mestre e encontrar meios de contornar os “ataques” dos clientes dando-lhes significado e valor existencial.
Ou seja, mostrar ao escorpião que a sua defesa está a impedi-lo de ser ajudado. Mas primeiro, o escorpião tem que confiar em quem o quer ajudar. Nós, por outro lado, não podemos mudar a natureza de ajudar!

Ficamos a pensar… como e porquê este sujeito aprendeu este modo de relacionamento?

sexta-feira, novembro 03, 2006

Notícias mais a Sul

Nos dias 16, 17 e 18 de Novembro realizar-se-á, em Faro, no Grande Auditório do Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, o I Fórum do Algarve de Educação para a Saúde Escolar e Comunitária.

sites associados:
www.apf.pt ; www.arsalgarve.min-saude.pt ; www.drealg.min-edu.pt

segunda-feira, outubro 30, 2006

Medição nas Passerelles - discriminação ou um bem comum?

A propósito do post do Pedro, e motivada por um amigo que me deu a conhecer a situação e me incitou a escrever sobre a polémica que se gerou à volta da Pasarela Cibele, um evento de moda que decorre em Madrid, aqui fica este post. Este evento tem edição bianual e na edição de Setembro deste ano novas regras eclodiram; a necessidade de medição do IMC - índice de massa corporal, como forma de selecção. Quem não obteve um IMC de 18 foi rejeitada. Esta medida foi aplaudida por muitos - mais a classe médica, e criticada por muitos outros. Logo outros países quiseram seguir os espanhóis, e em Londres, chegou uma carta aberta dos médicos reinvidicando a implementação das mesmas medidas.
Também os especialistas portugueses aplaudiram a medida pensando ser esta uma ajuda às jovens que sofrem de disturbios alimentares.

E porque se implementou esta medida, e porquê o IMC 18? Quais as motivações?

Em primeiro lugar porque na Europa o IMC considerado normal situa-se entre os 20 e os 23. A partir de 25 é excesso de peso, mais de 30 é obesidade. Abaixo dos 16 revela algum risco de vida. Desta forma, percebe-se o porquê dos 18.

O porquê desta medida e quais as motivações, parece-me que se prende com o facto do aumento das perturbações alimentares nas adolescentes, e pela sua dificuldade em "identificar as armadilhas do consumo" como nos diz o Pedro. Em Portugal estima-se que uma em cada 250 raparigas entre os 10 e os 17 anos sejam vítimas dos ideais de beleza e pretendam adquirir um "corpo naturalmente esbelto como o de uma gazela" - Cathy Gould, Elite.

Os traços de personalidade dos adolescentes contribuem para o despoletar da doença, assim como a diminuição da ingestão de alimento, que leva ao aumento da hormona Cortisol que, por sua vez conduz ao aumento do stress e da depressão. Depressão essa que está sempre associada, umas vezes mais mascarada, outras vezes mais à superfície. Nesta doença existe um forte desfasamento entre o desenvolvimento intelectual e emocional, com investimento muito grande a nível intelectual.

Estas jovens mantêm grandes fantasias à volta do corpo e da comida, numa forte clivagem com a realidade, utilizando a negação como o mecanismo de defesa primordial.
Para elas a única coisa que faz sentido na vida é controlar a fome, ocupando desta forma, a vida psíquica com comida e valores calóricos.

Há uma relação patológica com o corpo, um processo psicológico muito complexo que se reflecte na imagem, uma vida afectiva extremamente pobre, fazendo com que apenas se sintam fortes ao negarem a comida, aliás a única coisa que controlam.

Este tipo de perturbação segue um padrão normal, mas a patologia associada é variada, enquadrando-se sempre com a história pessoal. Por isso é que se requer sempre uma intervenção muitidisciplinar, pois não interessa apenas controlar o peso e readquirir um IMC normal, mas igualmente um acompanhamento psicológico prolongado, como forma de diminuir o sofrimento destas adolescentes e permitir que não hajam recaídas, quando já estão em recuperação e com um peso normal.

Mas nesta fase existe novamente um controlo apertado do IMC, isto porque o desenvolvimento da doença pode levar a que uma anoréctica se transforme em bulímica e em casos extremos em obesa. Não será este o antagonismo da doença, os limites a que somos alvo, as imposições a que estamos sujeitos?
Não terão sido estas as motivações para a implementação de uma medida restritiva e discriminatória nas passerelles espanholas, ou por outro lado uma medida inteligente aludindo ao facto de que comportamento gera comportamento, e mais uma vez referindo o post do Pedro, uma mudança de comportamento...

domingo, outubro 29, 2006

Intervenções Psicoterapêuticas

No dia 4 de Novembro vai realizar-se no ISPA o 2º Encontro do departamento de formação permanente e este ano o tema é:

Intervenções Psicoterapêuticas – Que desafios para a formação?


Infelizmente não poderei estar presente porque irei estar a dar aulas em Coimbra. Aconselho, contudo, todos os colegas recém-licenciados (e não só) a estarem presentes. O programa permite a visão “panorâmica” de uma série de tipos de psicoterapia e os interessados poderão tentar perceber com qual (ou quais) se identificam mais.

Programa:

  • Psicoterapia Emocional/Bonding
  • Psicoterapia Existencial
  • Psicoterapias Breves
  • Psicoterapia Gestalt
  • Psicoterapia Psicanalítica
  • Terapias Comportamental e Cognitiva
  • Psicoterapias Construtivas
  • Arte-Terapia
  • Musicoterapia
  • Terapia Familiar
  • Psicodrama

Para obter mais informações consulte o site do ISPA ou utilize o email dfp@ispa.pt

Aguarelas - Babysitting e Eventos


Uma colega e amiga abriu um serviço de babysitting de qualidade superior. Fica aqui a referência do Blog para quem precisar.

www.aguarelas-babysitting-eventos.blogspot.com/

sexta-feira, outubro 27, 2006

Obesidade e Mudança Comportamental

Numa época em que se verifica uma transformação dos paradigmas da doença. A obesidade está a tornar-se na “mãe” de todas as outras.
Esta “mãe” gera mal-estar físico e psicológico. As questões ligadas ao mal-estar físico não me dizem respeito directamente. Uma vez que me cabe a mim diagnosticar ou tratar um diabético que obteve esta doença através de uma dieta desequilibrada e consequente excesso de peso.
No entanto, todo este quadro de nutrição desequilibrada e excesso de peso é gerado por comportamentos do sujeito.
Aqui entramos nas questões ligadas à psicologia. Por vezes os casos de obesidade mórbida escondem outras patologias a nível psicológico e estas têm que ser diagnosticadas e tratadas paralelamente com a dieta prescrita pelo Nutricionista. Afinal cada alimento que colocamos na boca é uma escolha, mas será que as pessoas que estão em dietas de redução de peso sabem porque escolheram ficar doentes?
Cabe ao psicólogo ajudar o cliente a descobrir os porquês de tais comportamentos lesivos para a sua saúde. Mas cabe também ao psicólogo ajudar o cliente a encontrar estratégias eficazes de modificar comportamentos de risco. Ou seja, identificar as armadilhas do consumo, os padrões de comportamento alimentar e implementar hábitos de exercício físico regulares.

Em resumo, e em tom de brincadeira. Quando nos entra um sujeito com problemas de peso no consultório, não podemos pensar em comer… temos que pensar como este cliente vai passar o seu tempo enquanto não come!!!

terça-feira, outubro 24, 2006

O amplo feminino II

No artigo “Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio”, Maria Emília Marques questiona-se partindo de dois pressupostos, um primeiro, explicitado no excerto do post deste blog, “O amplo feminino”, directamente ligado às várias visões e discursos históricos, sociais e culturais lançados sobre a natureza da mulher.

“… uns afirmam uma natureza leviana e instável, mesmo violenta, que contém em si o germe e a essência da desordem e da discórdia, que exigiria a sua inscrição numa lei-ordem que teria de lhe ser imposta de fora; outros proclamam uma natureza sagrada, fértil e fertilizante, mas a precisar de ser conduzida e dominada por ser perigosa; outros, referem a natureza já dominada, masoquista e submissa; por fim, outros inquietam-se porque teria uma natureza enigmática.”

Ainda dentro desde pressuposto, a autora frisa o inevitável lugar que o feminino sempre ocupou, lugar de um questionar constante e fundamental, embora surja, neste tipo de discursos, ora silenciado, ora subjugado.

Depois, o silenciar o feminino ressurge numa forma inquietante, o silenciado é algo que está sempre prestes a emergir. O masculino, aquele que ordenaria e subjugaria o feminino, impondo-lhe várias leis e reivindicando e conquistando os seus produtos, remeteu-o para o duplo lugar da exclusão e do indizível, enquanto, por outro lado, ele permanece no lugar do imanente e do inacessível.”

Um segundo pressuposto seria o da leitura do próprio psiquismo no seio da compreensão psicanalítica. Este pressuposto remete a leitura do feminino para uma questão mais ampla, em que, e mediante a apreensão que a autora tem do humano e de acordo com o seu exercer clínico, feminino e masculino habitariam cada um de nós à luz das identificações, no seio das relações e da intersubjectividade. Desta forma, feminino e masculino separar-se-iam da condição da mulher e da sua correlação à condição do homem. De uma forma directa e concisa, feminino não será mulher e masculino não será homem. Esta leitura requererá uma maior e mais profunda captação de significações, não se prende com uma mera diferença de sexos.

A diferença de sexos tem sido sempre alvo de caracterização, de classificação, mesmo de hierarquização. (…) De facto, o dizer sobre um sexo está sempre na relação com o outro sexo. Falar de um sexo impõe sempre colocá-lo perante o outro sexo. Há uma inevitável e incontornável reciprocidade entre os sexos. Só que temos de saber o que nesta reciprocidade sabemos sobre o específico de cada um dos sexos, ou se só sabemos da relação de um a outro.”

Para não prolongar mais este post, termino deixando a questão em aberto… para um amplo feminino III.

Será necessário poder afirmar-se uma especificidade para além desta reciprocidade, na busca de uma identidade.”

domingo, outubro 22, 2006

Palavras...


Ao pensar nas palavras para a composição do presente post, dou por mim a reflectir no valor e lugar que ocupam as palavras. As palavras que pensamos, ecoamos, dizemos, ... O valor das palavras no contexto da relação terapêutica. Já Freud, no seu artigo intitulado " A Questão da Análise Leiga" punha na voz da pessoa imparcial, inspirado em Hamlet, "Nada mais do que isto? Palavras, palavras, palavras, ...", sublinhando que as palavras são um instrumento poderoso na nossa prática clínica.
Mas, se as palavras assumem a sua qualidade na cosntrução literária, por exemplo, é no seu pronunciar, pela voz humana, que ganham seu mais íntrinseco significado. É quando ganham corpo no sentir de quem as profere que também em nós impelem seu valor semântico (?!), nem sempre correspondente ao significado real de quem as enuncia mas interiorizadas pelo sentido singular de quem as ouve..
Pensando mais uma vez no que se tece no espaço e tempo de uma relação terapêutica, as palavras por si só não revelam seu total valor mas o significado emocional que contêem, e o pensar sobre esse mesmo siginicado, num lugar onde reina a intersubjectividade é que elas talvez possam revelar mais de si. Pensar com alguém, na presença então de um outro que co-pensa. O poder das palavras eventualmente assume-se no aqui e agora, onde passado, presente e futuro (con)fundem-se. O acto de pensar as palavras no enlace relacional, numa Outra relação, numa nova relação, como diria Coimbra de Matos, ou como diria Widlocher, o co-pensamento que permite a prática associativa no contexto da relação terapêutico, embebe as palavras do que em si sustentam de mais profundo dos seres que as evocam e entoam...
Enfim, palavras soltas...

sábado, outubro 21, 2006

Filosofia Clínica

Na revista Sábado desta semana vem uma entrevista com o filosofo Lou Marinoff. Este filósofo é considerado o pai do aconselhamento filosófico ou filosofia clínica e autor "Mais Platão, Menos Prozac!".

Encontrei também num quiosque de revistas à venda o primeiro número de uma nova revista de Filosofia (brasileira) que também dá um enorme destaque à Filosofia Clínica. Parece ser uma modalidade de ajuda psíquica que começa a ter alguma aceitação e que na minha opinião poderá estimular algumas reflexões.

A Psicologia e a Filosofia são parentes próximos. A Filosofia é a mãe de todas as ciências, mas nos últimos anos tem vindo a perder, infelizmente, a sua condição de disciplina base na constituição da educação. A psicologia e a grande maioria das psicoterapias são “filhas” da filosofia, no entanto devemos questionar-nos sobre qual poderá ser o efeito de colocar filósofos a fazer o trabalho de psicoterapeutas. Ao ler os artigos que anteriormente referi fiquei “espantada” com a proximidade à psicoterapia existencial, de apoio e também, de forma mais superficial, à psicoterapia psicanalítica.

Poderá o aconselhamento filosófico ser suficiente para resolver os problemas psíquicos? Enquanto psicoterapeuta com mais de uma década de prática clínica, parece-me difícil que o aconselhamento filosófico seja capaz de ajudar pessoas com níveis de angústia muito elevados, mas acho genericamente a ideia interessante. Parece-me que é necessário que as pessoas se interessem mais por reflectir e pensar sobre si próprias e sobre a vida que têm. Se entendi bem, os recursos técnicos da filosófica clínica passam principalmente pelo aconselhamento da leitura de obras filosóficas e posterior analise das mesmas em conjunto com o cliente e a articulação dessas filosofias com a vida pessoal e concreta da pessoa que se sente angustiada. Esta abordagem técnica parece-me ter à partida uma limitação porque a maioria das pessoas não é capaz (leia-se não tem interesse suficiente, ou nalguns casos, a capacidade de abstracção suficientemente desenvolvida) de ler um romance, sendo pois improvável que o façam com uma obra filosófica.

No artigo da revista Filosofia a prática da filosofia clínica aproxima-se bastante do trabalho realizado em psicoterapia psicanalítica influenciado pelo pensamento de Wilfred Bion, mas num nível que me parece ainda bastante superficial e banhado por um optimismo ingénuo. Estará, contudo, a filosofia a fazer uma aproximação à psicologia/psicanalise?

Algumas ideias da Filosofia Clínica:

“As pessoas devem deixar as muletas e arranjar recursos interiores para enfrentar os problemas”;

“Considerando a Filosofia como uma atitude de construção de conceitos a partir de um problema de uma realidade singular, a Filosofia Clínica coloca-se como uma terapêutica centrada na pessoa e no respeito à sua singularidade, dispondo-se a pensar sobre o problema apresentado pela pessoa, a partir do plano da realidade singular dessa mesma pessoa”;

“O filósofo assume a função de cuidador, investido do conhecimento produzido em toda a história da filosofia”.

“Quando um partilhante procura um filosofo clínico, em geral o faz porque algo o incomoda. Em conversa inicial, filosofo clínico e partilhante estabelecem o primeiro momento da cínica: a intersecção, a qualidade da relação entre ambos. Após a conversa, o partilhante preenche uma ficha clínica com dados pessoais, termo de esclarecimento e consentimento para o trabalho clínico. Partindo do principio que nos construímos a partir da história de nossas vivencias, o próximo passo consiste em colher o histórico de vida do partilhante, contado por ele mesmo, cronologicamente e em detalhes. Esse histórico servirá de fonte para a obtenção de dados sobre os três eixos fundamentais: Exames categoriais, Estrutura do pensamento e Submodos.

Enquanto o partilhante conta a sua história, o filósofo clínico limita-se a interferências mínimas, apenas para permitir a intersecção, pedindo continuidade, levando a pessoa a retomar o curso da sua história em caso de este se perder.
O filósofo clínico entende que o partilhante poderá, inicialmente, omitir dados, distorcê-los, mentir, inventar, entre outras coisas. Ainda assim, os dados distorcidos o são a partir de referenciais do partilhante. Sua Estrutura de pensamento desvenda-se ainda que o histórico contenha distorções.

No procedimento seguinte, Divisão, a história do partilhante é recontada, agora com delimitação de períodos, para que sejam feitas correcções e aquisição de mais dados, pois ao contar a história, o partilhante poderá optar por uma linha de raciocínio, contando, por exemplo a sua história familiar, escolar, de trabalho, ou afectiva, deixando de lado muitos outros elementos vividos. O procedimento divisório é repetido inúmeras vezes até que não surjam dados novos.

Terminada a divisão é o momento dos Enraizamentos. Trata-se de um processo epistemológico para pesquisar o conteúdo de termos e estabelecer relações e testar hipóteses clínicas”.
In Filosofia, (1) Ano I, 2006, Ediora Escala. pp. 70-81

Penso que a filosofia clínica é uma corrente com potencial, se bem que ainda esteja numa fase bastante inicial. Será algo a acompanhar com interesse.

terça-feira, outubro 17, 2006

O amplo feminino...

“…enquanto mulher interrogo-me e procuro argumentos para a desqualificação e o silenciamento que marcam algumas visões e discursos sobre o género feminino, visões e discursos segundo os quais algo na mulher seria/ teria uma segunda natureza, natureza essa que teria de ser domada ou dominada, o que também significa silenciada e excluída.”

Maria Emília Marques, "Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio",
Revista Portuguesa de Psicanálise, nº 23, 55-74

quinta-feira, outubro 12, 2006

As Armaduras e o Destino: Um Conto Sistémico

“Era uma vez dois jovens que, interessando-se um pelo outro, decidem fundar uma família. Provinham ambos de famílias de longas tradições, mas essas tradições eram muito diferentes pelo seu conteúdo.
As indicações que essas tradições davam pareciam sobretudo dizer respeito ao comportamento que se esperava dos homens, o que na época não era raro.
Na família do rapaz, eram descritos como fortes, impulsivos, de temperamento quente, mas também briguentos e irritáveis. Pelo contrário, na família da rapariga, eram vistos como estáveis, tranquilos e justos. Acima de tudo, o rapaz não queria transmitir a herança da sua linhagem. Sofria ainda com frequentes conflitos provocados pelo pai.
Os dois jovens casaram e, no mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho. Ela tinha 20 anos e ele 25. Cinco anos depois, têm, novamente, um filho do sexo masculino e, dez anos depois, uma menina.
O jovem, que agora se tornou pai, preocupava-se em proteger os seus filhos dos problemas e dos perigos do mundo, cada vez em maior número, que via aumentar sem interrupção. Para cada um dos filhos fabricou uma armadura que deveria assegurar-lhes alguma protecção. A mãe tinha dificuldade em compreender a necessidade das armaduras mas, por outro lado, não queria opor-se ao que o marido fizesse para o bem dos filhos.
Enquanto eram pequenos, os filhos satisfaziam-se muito com essas armaduras. À medida que foram crescendo, começaram a tornar-se incómodas e constrangedoras. Tornaram-se muito apertadas e sufocantes. As armaduras eram agora mais um constrangimento do que uma protecção mas, estranhamente, os filhos tinham dificuldade em as despir e guardar.
As angústias dos pais foram então tristemente confirmadas. O filho mais velho caiu do cavalo. A pesada armadura não o ajudou e ficou gravemente ferido. Os pais trataram-no o melhor que puderam, mas ficou com algumas perturbações.
No interior da sua armadura, o filho mais novo sentiu dificuldade em respirar e angústia. Contudo, recusou deixar a armadura. Preferiu morrer.
Quanto à rapariga, a armadura impediu-a de ter contacto com o próprio corpo. Os seios e as ancas pareciam-lhe estranhos porque não tinham lugar no envelope de metal. Experimentou deixar de comer para poder aguentar-se na armadura. Os pais tentaram fazê-la sair da armadura mas parecia que ela não conseguia acreditar nas palavras que eles pronunciavam. Queria guardar para si a armadura, embora todo o crescimento constituísse um sofrimento terrível. Chegou mesmo a acontecer assustar-se com a ideia de assimilar não apenas o alimento mas também o saber. Porque o saber podia também contribuir para a fazer crescer e aumentar, assim, o esmagamento no interior da armadura; daí, sem dúvida, o facto de afirmar ser muito estúpida para aprender o que quer que fosse, tentando, deste modo, proteger-se do conhecimento”(cit. in Caillé, P.; Rey, Y., 2003, pp. 87).

O conto sistémico é uma técnica psicoterapêutica que permite aos elementos da família “verem-se ao espelho”, transportando-os para uma família imaginária, que é, e ao mesmo tempo não o é, visto ser a família consultada. O trabalho é feito sobre o modelo fundador da família, fazendo sobressair o “Absoluto Familiar da sua posição de paradigma dominante e inconsciente, triangulando-o como objecto de relação entre a família e o terapeuta. Através dessa narração-mensagem, este último propõe uma representação metafórica que veicula uma alternativa entre as finalidades de pertença (lealdades familiares) e as finalidades de inserção na sociedade (individuação)”(cit.in Caillé, p.92). O conto provoca o aparecer das contradições entre a necessidade de preservar o Absoluto Familiar, segurança da identidade familiar, e a necessidade de inserção na comunidade, indício de autonomia.
Como vemos no conto descrito, a família é confrontada com o seu modelo próprio num contexto simbólico dado pela armadura, introduzindo dessa forma o aspecto rígido e defensivo do seu funcionamento.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Édipo - Tragédia Grega

Num dos anteriores posts foi feita uma alusão ao mito de Édipo, pelo que, aqui fica a tragédia grega de Sófocles.

Laio, Rei de Tebas e marido de Jocasta, vivia amargurado por não ter filhos, pelo que, decidiu consultar o Oráculo, tendo-lhe, este, advertido que filho que gerasse havia de o assassinar. Apesar das advertências, Jocasta engravida e Laio, quando o bebé nasceu, ordenou a um servo que o pendurasse pelos pés numa árvore, para que este morresse. Daí o nome Édipo (que significa pés inchados).

O servo de Laio, desrespeitando as ordens, acabou por colocar a criança num cesto e jogou-a ao rio, acabando este, por ser resgatado por um rei duma terra distante, que o elegeu como seu filho. Este, já homem, também consultou o Oráculo, o qual o aconselhou a evitar a sua pátria, pois iria ser o assassino de seu pai e marido de sua mãe. Desconhecendo as suas origens e pensando-se filho de Pôlibo e Mérope, reis de Corinto, Édipo decidiu partir rumo a Tebas. Durante o seu percurso, e no meio de uma encruzilhada, deparou-se com um velho com o qual manteve uma acérrima discussão acabando por matá-lo.

Chegado a Tebas decifrou o enigma da Esfinge (monstro com cabeça de mulher e corpo de leão), que impossibilitava a entrada na cidade, e como nunca ninguém o havia decifrado, a Esfinge jogou-se ao mar, tendo Édipo libertado a cidade da sua maldição. Creonte, irmão de Jocasta, havia prometido a mão desta a quem libertasse a cidade da Esfinge, ganhando assim, Édipo, o direito a casar com Jocasta, agora viúva.

Casaram, Édipo foi proclamado Rei e tiveram dois filhos e duas filhas, reinando sem grandes dificuldades, até ao dia em que se instala a peste na cidade e Édipo decide consultar o Oráculo, que lhe refere que a peste cessaria quando fosse expulso o assassino de Laio. Édipo dispôs-se a encontrá-lo, mas quando se apercebeu que ele próprio fora o assassino de Laio, seu pai, e o esposo de sua mãe, e vendo que apesar de fugir contra a profecia esta acabou por se realizar, arrancou os olhos e deixou a sua pátria.

domingo, outubro 08, 2006

Um artigo sobre Repetição e Estilo em Almodôvar

A-propósito do filme de Almodôvar – Voltar, encontrei um artigo muito interessante sobre a Repetição e o estilo de Almodôvar.

Vale a pena ler, este é o resumo:

"A trajetória teórica de Freud o leva a considerar a repetição como um elemento estrutural do sujeito. Sendo a repetição inevitável, porque constituinte do ser humano, interessa-nos entender como esse fenômeno pode ser identificado e interpretado através de uma produção artística. A nossa tentativa, portanto, é de buscar o sujeito dentro do discurso do texto cinematográfico. Para tanto, analisaremos três filmes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, identificando o que se repete dentro de cada obra e de uma obra para outra. A partir desse levantamento, acreditamos poder identificar o que se constitui no estilo do autor, conforme essa noção é entendida por Foucault. As obras analisadas serão Matador (1985), De Salto Alto (1991) e A Flor do meu Segredo (1995)."

Volver de Almodôvar

Uma das nossas leitoras, há já algum tempo, chamou-me a atenção para o novo filme de Almodôvar e disse que gostaria de ler um comentário nosso sobre ele. Finalmente fui vê-lo.

Acho que o filme fala, entre outras coisas, da transgeracionalidade da psicopatologia e, obviamente, do incesto. É um filme que excluí o masculino. Os homens que aparecem são secundários e representam de alguma forma, o mau. São os homens que violam, que abusam, que são desrespeitosos e insensíveis. Na minha opinião, o filme contém um ataque ao masculino.

É um filme catalogado como surrealista mas, na minha opinião, é até muito realista em muitas das coisas que retrata, nomeadamente no dia-a-dia da vida e realidade espanhola.

Para quem não viu o filme vou tentar resumi-lo em meia dúzia de palavras. Fala de uma família (mãe, pai, tia e duas irmãs) que cresceram numa pequena povoação. Uma das irmãs (Raimunda) foi abusada sexual pelo pai e engravidou dele com completo e absoluto desconhecimento da mãe. Após a gravidez, Raimunda não revela o nome do pai da sua filha e sai de casa, ressentida e magoada com a mãe por esta não a ter protegido do abuso de que foi alvo. O pai, incapaz de lidar com as consequências dos seus actos, emigra temporariamente e quando regressa continua infiel à mulher (Carmen Maura), mantendo relações extraconjugais, inclusivamente com a vizinha da frente.

A bebé fruto da relação incestuosa nasce e quando tem 14 anos vê-se em circunstâncias semelhantes à da sua própria mãe, isto é, o companheiro da mãe que ela pensava ser o seu pai, tenta abusar sexualmente dela. A diferença é que a adolescente (Yohana Cobo) mata o pai para evitar o abuso e a mãe protege-a, cuidando para que o homicídio não seja descoberto. Dez anos depois da concepção incestuosa, a mãe de Raimunda mata o marido quando ele dormia a sesta com a amante e mata-o porque ficou a saber do incesto. Nenhum dos homicídios é condenado no filme, ambos aparecem como justificados e ninguém é punido por neles, nem sequer é perceptível o sentimento de culpa ou o remorso.

Volver fala da transgeracionalidade da psicopatologia na medida em que vemos a reprodução em duas gerações diferentes de uma mesma situação. A filha abusada sexualmente pelo pai e grávida deste, escolhe para seu companheiro um homem que vai tentar abusar da sua filha quando ela tem uma idade próxima há que ela própria tinha na altura em que foi abusada pelo seu pai. Diríamos que inconscientemente, Raimunda (Penélope Cruz) aceitou a filha fruto da relação incestuosa, mas não foi capaz de “resolver” a zanga e ódio com que ficou em relação aos seus pais, principalmente ao seu pai, o agressor. Este ódio não resolvido passou inconscientemente como legado transgeracional e foi “depositado” na filha que perante uma situação semelhante àquela que a sua mãe tinha vivido age o ódio materno, matando o pai. Raimunda revive a situação de que foi vitima 14 anos antes e contrariamente à sua própria mãe, coloca-se do lado da filha e enterra o marido. A nova situação de incesto ajuda a resolver o “trauma” que tinha ficado bloqueado. A nova aproximação entre mãe e filha (Raimunda e a sua mãe) acontece à custa da morte do pai (morto num incêndio causado deliberadamente pela mulher), como se tivesse sido reposta a justiça. A pressão para que a verdade sobre o 1º incesto se saiba é exercida pela filha da vizinha (Agustina/ Blanca Portillo) que insiste em saber o que aconteceu à sua mãe.

Num certo sentido, poderíamos dizer que este filme é uma aproximação ao mito de Édipo, há um elemento que pressiona para que a verdade seja investigada (como a esfinge em Édipo); há uma relação incestuosa (como Édipo e Jeocasta) e há a necessidade de voltar ao passado para resolver ódios e rancores não digeridos. A grande diferença está no facto de em Volver (que significa voltar em português) o masculino é aniquilado e os “maus” estão apenas num dos lados; não há densidade psicológica matizada pela ambivalência do desejo. Os homens são agressores e as mulheres são vítimas. As mulheres tornam-se agressoras para repor a justiça depois de terem sido vitima. Na minha opinião o filme peca por ser sexista, mas mostra a crença (inconsciente) provavelmente fortemente instalado em muitas pessoas, de que os homens são potencialmente agressores e as mulheres vitimas; mas que o dia da vingança acabará por chegar.

É precisamente na aniquilação do masculino que me parece que o filme perde o seu grande potencial. A transgeracionalidade mostra a importância de “recordar, repetir e elaborar”, isto é, mostra como para aprendermos a lidar com um determinado episódio traumático temos que o recordar e por vezes repeti-lo experiencialmente para que o possamos elaborar definitivamente. O próprio processo psicanalítico é, num certo sentido, uma forma de criar condições apropriadas para que a pessoa possa recordar, repetir e elaborar. Contudo no filme, a parte do elaborar não é suficientemente trabalhada, não há uma verdadeira elaboração da experiencia traumática de ter sido abusada sexualmente pelo pai, há sim, o agir de uma vingança e a aniquilação do agressor. Matar o pai não é solução na medida em que esse mesmo acto é gerador de um outro trauma, como dizia a adolescente para Raimunda “pensas que é fácil ter de lidar com o facto de sabermos que matámos o nosso próprio pai?” (citação reproduzida de memória). No filme a adolescente não mata verdadeiramente o pai, porque o seu verdadeiro pai era o seu avô. Portanto, na verdade, no filme, nenhuma filha mata o seu próprio pai; mas a fantasia é a de que a filha mata o pai.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Blogs interessantes

Três blogs interessantes:

Sobre Banda Desenhada: Cara de BD
Sobre Enfermagem Pediátrica: Criancices
Sobre Filosofia, Cultura e Política: Odisseus

domingo, outubro 01, 2006

Bruxismo - O que é isso?

Hoje decidi falar acerca do Bruxismo e sua definição etimológica, isto porque, outro dia, no meu local de trabalho, fui abordada por uma professora que me queria colocar uma questão acerca do ranger dos dentes durante o sono e se este acto se poderia associar a causas psicológicas.
Após ouvi-la, referi que se tratava de um distúrbio do sono e que se designava por Bruxismo, ao que me respondeu, "O que é isso?" provocando até, um gargalhar entre nós, causado pela sua designação ciêntífica, que, à primeira impressão, nos conduz para uma associação com fenómenos da ordem do profano.
Bruxismo provém da palavra grega Brychein que significa constrição/apertar - que se reflecte na actividade de ranger os dentes. Esta actividade está presente em muitas crianças, assumindo carácter patológico quando se desenvolve diáriamente.
Este distúrbio do sono insere-se nas Parassónias, que são perturbações caracterizadas por comportamentos anormais ou acontecimentos fisiológicos que ocorrem em associação com o sono e implicam a activação do sistema nervoso autonómico (DSM-IV).
Daí que, por vezes, uma das causas referidas para este acontecimento tenha que ver com alterações neurológicas, mas na maioria dos casos, são situações stressantes e ansiogénicas que estão na origem deste distúrbio.
No que concerne a tratamento, estas situações são, muitas vezes, apenas observadas em Odontologia, com a aplicação de uma placa que promove a estabilidade mandibular e reduz a actividade tensional, mas e o estado emocional stressante e ansioso que está na origem destes espasmos? É preciso não esquecer que o Bruxismo comporta, na sua etiologia, factores como a agressão contida, a tensão emocional e a frustração, o que se associa, indelévelmente, com a perturbação da ansiedade e com a gestão do impulso agressivo.
Para além de todos os tipos de tratamento que se possam efectuar, é necessário não descurar a componente psicológica devendo-se trabalhá-la em psicoterapia, por forma a actuar ao nível da redução da tensão emocional, da agressão reprimida, da ansiedade, da raiva e do medo.

Dia Mundial do Idoso

O envelhecimento continua a ser visto como uma condição de profunda degradação. Os idosos são infantilizados e desvalorizados como se fossem excluídos sociais.

Cabe-nos a todos, e particularmente a nós psicólogos, contribuir para a construção de uma nova imagem associada ao envelhecimento. À medida que a pirâmide do envelhecimento se transforma num rectângulo devemos compreender que a faixa etária dos 65 aos 80 engloba um número cada vez maior de pessoas cujas qualidades e competências se mantêm suficientemente activas para serem cidadãos tão válidos como quaisquer outros.

Os cuidados de saúde mental nesta faixa etária são extremamente negligenciados. De acordo com as estatísticas os idosos sofrem menos perturbações psiquiátricas do que os outros adultos; contudo empiricamente é possível perceber que as estatísticas não correspondem à realidade. Esta discrepância assenta, na minha opinião, em dois factores fundamentais: por um lado, são efectivamente diagnosticadas menos as doenças psiquiátricas graves a eclodirem em idades avançadas e por outro, as perturbações psicológicas são genericamente consideradas “normais” e consequentes aos efeitos do envelhecimento.

Há, na minha opinião, dois problemas fundamentais. O primeiro prende-se com a inexistência de critérios de diagnóstico devidamente aferidos para as pessoas de idade avançada. O segundo está relacionado com a ignorância e a reduzida informação sobre os efeitos do envelhecimento generalizados, gerando confusões frequentes entre o efeito da idade e as perturbações psíquicas. É frequente diagnosticarem-se patologias cerebrais orgânicas deficitárias, em vez de se compreender a complexidade das dinâmicas conflituais. Esta situação ocorre, no meu entender, demasiado frequentemente, e impede uma intervenção adequada, tendo consequentemente um impacto negativo sobre a qualidade de vida dos mais velhos.