terça-feira, julho 11, 2006

“Estou! Onde é que estás?“

Quantas vezes não teremos ouvido ou reproduzido este diálogo numa conversa ao telemóvel? Há uns tempos enquanto falava com um amigo alemão, ouvia-o em tom de lamento dizer que a ideia de todas as pessoas terem um telemóvel acentuava um dos defeitos dos portugueses – a famigerada falta de pontualidade. Continuava assim: “quantas vezes não tenho reuniões marcadas com pessoas que, mesmo em cima da hora me avisam que afinal houve um contratempo e que chegarão atrasadas”. Acabei por concordar com a crítica, na qual eu próprio ocasionalmente me revejo.

Acabada a conversa fiquei a pensar que as censuras ao dito aparelho não se ficavam por aqui. Sem imputar a nenhuma nacionalidade em particular aquilo que referirei em seguida, outros aspectos há a considerar. Frases como a que podemos ler no título são disso, em meu entender, bom exemplo. Esta pergunta tão banal com a qual começamos a maioria das nossas conversas telefónicas encerra algo que o telemóvel viabiliza, a saber, a possibilidade do Outro, a qualquer momento, poder indagar acerca do nosso paradeiro. Não posso fechar os olhos à utilidade desta pergunta em alguns contextos, mas comparemos com o que se passava aqui há uns anos – o tempo que mediava aquele momento em que estávamos contactáveis através do telefone do emprego e a chegada a casa, onde estávamos novamente alcançáveis através de um telefonema... O que se passava entre um momento e o outro abria um espaço que hoje infelizmente se perdeu, e para o qual me parece importante chamar a atenção: Um espaço passível de ser ocupado por inúmeras fantasias (mais ou menos ajustadas à realidade) da parte de quem espera, dos habituais interlocutores que nos “apanham” entre um sítio e outro.

Acaba, a meu ver, esta inevitabilidade dos tempos de hoje, por favorecer alguma pobreza fantasmática – a mesma que grassa numa sociedade pouco apta a tolerar aquele tempo de latência, com tudo o que de organizador isso podia ter para o nosso mundo interno. Mas esta “ubiquidade virtual” é apenas um exemplo da quantidade enorme de aspectos que poderíamos elencar... Então e as chamadas de números não identificados e a possibilidade de se exercer uma forma de controlo sobre o Outro? A quantidade de tempo que deixamos de estar com alguém só porque, achando que podemos falar com todos os nossos amigos à distância de umas “digitadelas” de telemóvel, nos ficamos por um sms?

5 comentários:

Ricardo Pina disse...

Olá, João. Felicito-o pelo seu post, muito bem escrito e pertinente. Pena k n se escreva ainda mais sobre isto...
Penso k a formulação da Inês resume tudo: caminhamos para uma sociedade cada vez mais próxima de si, e simultaneamente mais distante. O «estar connosco» hoje em dia já é uma façanha k poucos conseguem. Como «estar com o Outro» devidamente sem antes «estar connosco»?
A tecnologia aproxima-nos, afastando-nos ao mesmo tempo. Trocamos o calor da presença por um monitor e uma webcam. E o pior é k apenas prevejo uma acentuação desta tendência. A sociedade torna-se cada vez mais exigente connosco, roubando-nos o tempo e a disponibilidade mental para «estarmos devidamente» connosco e com os outros.

Raquel Félix disse...

Muito pertinente esta questão. Leva-me a questionar a própria blogosfera que não deixa de ser um "artefacto" da era digitalizada para a qual o mundo avança, cada vez mais. Da mesma forma que um blog pode ser um ponto de encontro de opiniões, ideias... poderá ele ser um ponto de afastamento?
As célebres tertúlias de outros tempos, reproduzem-se agora a solo, numa divisão da casa ou do escritório, sem rostos.
A globalização existe, em grande parte, porque existe a digitalização, a "interNETalização" das relações, que provoca esta aproximação ilusória.
Será assim?

Ana Almeida disse...

Acho que o problema não está no objecto nem na tecnologia. Acho que o problema está (ou pode estar) na utilização que fazemos dele(a). Há quem se "agarre" ao telemóvel ou à internet para esmagar a fantasia ou para dar expressão às suas fantasias persecutórias/controladoras.
É a utilização que damos às coisas que as torna boas ou más, patológicas ou saudáveis e não as coisas em si.
Porque será que não conseguimos desligar o telemóvel ou simplesmente não atender uma chamada? Que superego nos persegue e nos "obriga" à observação premamente do telemóvel.
Conheço pessoas que se estão um dia inteiro sem receber uma chamada, acham que ninguém sem lembra (interessa) por elas. Porque dar ao telemóvel esse estatuto de "medidor" do afecto que os outros têm por mim?

K'os disse...

olá,
o telemóvel usado com coerencia é algo útil de outro modo pode trazer problemas inclusivé graves e complicados(não me refiro ao uso excessivo dele), mas a outras consequencias a nível pessoal e particular

quanto ao atraso dos portugueses eu também me queixo e não sou alemã
acho que tem a ver com mentalidade, educação, atitudes enquanto não mudar, irá continuar e prevalecer o atraso constante que se vê a todo o tipo de compromissos penso que de algum modo se reflecte depois em várias situações na nossa sociedade


:)

Cleopatra disse...

"Estou? Onde é que estás? "

Para te poder ver..imaginar, visualizar... sentir.....

Ou será controlo?! ;)