“Era uma vez dois jovens que, interessando-se um pelo outro, decidem fundar uma família. Provinham ambos de famílias de longas tradições, mas essas tradições eram muito diferentes pelo seu conteúdo.
As indicações que essas tradições davam pareciam sobretudo dizer respeito ao comportamento que se esperava dos homens, o que na época não era raro.
Na família do rapaz, eram descritos como fortes, impulsivos, de temperamento quente, mas também briguentos e irritáveis. Pelo contrário, na família da rapariga, eram vistos como estáveis, tranquilos e justos. Acima de tudo, o rapaz não queria transmitir a herança da sua linhagem. Sofria ainda com frequentes conflitos provocados pelo pai.
Os dois jovens casaram e, no mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho. Ela tinha 20 anos e ele 25. Cinco anos depois, têm, novamente, um filho do sexo masculino e, dez anos depois, uma menina.
O jovem, que agora se tornou pai, preocupava-se em proteger os seus filhos dos problemas e dos perigos do mundo, cada vez em maior número, que via aumentar sem interrupção. Para cada um dos filhos fabricou uma armadura que deveria assegurar-lhes alguma protecção. A mãe tinha dificuldade em compreender a necessidade das armaduras mas, por outro lado, não queria opor-se ao que o marido fizesse para o bem dos filhos.
Enquanto eram pequenos, os filhos satisfaziam-se muito com essas armaduras. À medida que foram crescendo, começaram a tornar-se incómodas e constrangedoras. Tornaram-se muito apertadas e sufocantes. As armaduras eram agora mais um constrangimento do que uma protecção mas, estranhamente, os filhos tinham dificuldade em as despir e guardar.
As angústias dos pais foram então tristemente confirmadas. O filho mais velho caiu do cavalo. A pesada armadura não o ajudou e ficou gravemente ferido. Os pais trataram-no o melhor que puderam, mas ficou com algumas perturbações.
No interior da sua armadura, o filho mais novo sentiu dificuldade em respirar e angústia. Contudo, recusou deixar a armadura. Preferiu morrer.
Quanto à rapariga, a armadura impediu-a de ter contacto com o próprio corpo. Os seios e as ancas pareciam-lhe estranhos porque não tinham lugar no envelope de metal. Experimentou deixar de comer para poder aguentar-se na armadura. Os pais tentaram fazê-la sair da armadura mas parecia que ela não conseguia acreditar nas palavras que eles pronunciavam. Queria guardar para si a armadura, embora todo o crescimento constituísse um sofrimento terrível. Chegou mesmo a acontecer assustar-se com a ideia de assimilar não apenas o alimento mas também o saber. Porque o saber podia também contribuir para a fazer crescer e aumentar, assim, o esmagamento no interior da armadura; daí, sem dúvida, o facto de afirmar ser muito estúpida para aprender o que quer que fosse, tentando, deste modo, proteger-se do conhecimento”(cit. in Caillé, P.; Rey, Y., 2003, pp. 87).
O conto sistémico é uma técnica psicoterapêutica que permite aos elementos da família “verem-se ao espelho”, transportando-os para uma família imaginária, que é, e ao mesmo tempo não o é, visto ser a família consultada. O trabalho é feito sobre o modelo fundador da família, fazendo sobressair o “Absoluto Familiar da sua posição de paradigma dominante e inconsciente, triangulando-o como objecto de relação entre a família e o terapeuta. Através dessa narração-mensagem, este último propõe uma representação metafórica que veicula uma alternativa entre as finalidades de pertença (lealdades familiares) e as finalidades de inserção na sociedade (individuação)”(cit.in Caillé, p.92). O conto provoca o aparecer das contradições entre a necessidade de preservar o Absoluto Familiar, segurança da identidade familiar, e a necessidade de inserção na comunidade, indício de autonomia.
Como vemos no conto descrito, a família é confrontada com o seu modelo próprio num contexto simbólico dado pela armadura, introduzindo dessa forma o aspecto rígido e defensivo do seu funcionamento.
As indicações que essas tradições davam pareciam sobretudo dizer respeito ao comportamento que se esperava dos homens, o que na época não era raro.
Na família do rapaz, eram descritos como fortes, impulsivos, de temperamento quente, mas também briguentos e irritáveis. Pelo contrário, na família da rapariga, eram vistos como estáveis, tranquilos e justos. Acima de tudo, o rapaz não queria transmitir a herança da sua linhagem. Sofria ainda com frequentes conflitos provocados pelo pai.
Os dois jovens casaram e, no mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho. Ela tinha 20 anos e ele 25. Cinco anos depois, têm, novamente, um filho do sexo masculino e, dez anos depois, uma menina.
O jovem, que agora se tornou pai, preocupava-se em proteger os seus filhos dos problemas e dos perigos do mundo, cada vez em maior número, que via aumentar sem interrupção. Para cada um dos filhos fabricou uma armadura que deveria assegurar-lhes alguma protecção. A mãe tinha dificuldade em compreender a necessidade das armaduras mas, por outro lado, não queria opor-se ao que o marido fizesse para o bem dos filhos.
Enquanto eram pequenos, os filhos satisfaziam-se muito com essas armaduras. À medida que foram crescendo, começaram a tornar-se incómodas e constrangedoras. Tornaram-se muito apertadas e sufocantes. As armaduras eram agora mais um constrangimento do que uma protecção mas, estranhamente, os filhos tinham dificuldade em as despir e guardar.
As angústias dos pais foram então tristemente confirmadas. O filho mais velho caiu do cavalo. A pesada armadura não o ajudou e ficou gravemente ferido. Os pais trataram-no o melhor que puderam, mas ficou com algumas perturbações.
No interior da sua armadura, o filho mais novo sentiu dificuldade em respirar e angústia. Contudo, recusou deixar a armadura. Preferiu morrer.
Quanto à rapariga, a armadura impediu-a de ter contacto com o próprio corpo. Os seios e as ancas pareciam-lhe estranhos porque não tinham lugar no envelope de metal. Experimentou deixar de comer para poder aguentar-se na armadura. Os pais tentaram fazê-la sair da armadura mas parecia que ela não conseguia acreditar nas palavras que eles pronunciavam. Queria guardar para si a armadura, embora todo o crescimento constituísse um sofrimento terrível. Chegou mesmo a acontecer assustar-se com a ideia de assimilar não apenas o alimento mas também o saber. Porque o saber podia também contribuir para a fazer crescer e aumentar, assim, o esmagamento no interior da armadura; daí, sem dúvida, o facto de afirmar ser muito estúpida para aprender o que quer que fosse, tentando, deste modo, proteger-se do conhecimento”(cit. in Caillé, P.; Rey, Y., 2003, pp. 87).
O conto sistémico é uma técnica psicoterapêutica que permite aos elementos da família “verem-se ao espelho”, transportando-os para uma família imaginária, que é, e ao mesmo tempo não o é, visto ser a família consultada. O trabalho é feito sobre o modelo fundador da família, fazendo sobressair o “Absoluto Familiar da sua posição de paradigma dominante e inconsciente, triangulando-o como objecto de relação entre a família e o terapeuta. Através dessa narração-mensagem, este último propõe uma representação metafórica que veicula uma alternativa entre as finalidades de pertença (lealdades familiares) e as finalidades de inserção na sociedade (individuação)”(cit.in Caillé, p.92). O conto provoca o aparecer das contradições entre a necessidade de preservar o Absoluto Familiar, segurança da identidade familiar, e a necessidade de inserção na comunidade, indício de autonomia.
Como vemos no conto descrito, a família é confrontada com o seu modelo próprio num contexto simbólico dado pela armadura, introduzindo dessa forma o aspecto rígido e defensivo do seu funcionamento.
4 comentários:
Poderia facultar a referência bibliográfica do livro, por favor?
Aconselho, a quem gostar da utilização de contos em psicoterapia, "O Mercador e o Papagaio" de N. Peseschkian, fundador da Escola de Psicoterapia Postiva (em Wiesbaden).
Uma narrativa com bastante simbolismo. Estas "armaduras protectoras" que, por vezes, com as melhores intenções ("que está o inferno cheio"...) os pais constroem e impõem aos filhos, amputam-lhes o crescimento, que ultrapassa tanto as barreiras do físico, como inflinge a incapacidade de ampliação do seu ser pensante.
Se esta história faz lembrar aqueles pais aparentemente super protecores que acabam por desproteger a individualidade de cada filho, fiquei muito curiosa por ouvir mais histórias a este (e outros) propósitos em torno das dinâmicas familiares instauradas.
Deparamo-nos muitas vezes na prática clínica com crianças que sofrem grandes inibições, mascaradas por obediências exemplares, do género de até se deixarem entorpecer pelo que os outros, que pensam por elas, acham que é para o bem delas...
A referência do livro: "Os objectos flutuantes: à procura da relação de ajuda" de Philippe Caillé e Yveline Rey. Editora Climepsi, 2003.
Apercebo-me que a sistémica é guarnição abundante nesta mesa de conversas... De novo um post esclarecedor, debruçando-se sobre outra grande questão do ciclo da família. Realmente a individuação vs. pertença é um confronto presente no papel filial relativamente ao sub-sistema parental. Se, por um lado, há pertença aos valores, crenças e rituais familiares, por outro há uma procura incessante da própria identidade e do seu papel na sociedade, fora da sua família nuclear. Mais uma vez o ponto óptimo situa-se na gestão coerente entre estas duas realidades, não exclusivas entre si, mas sim complementares.
Outra questão levantada, desta feita por ana eduardo ribeiro, prende-se com o facto de, enquanto psicólogos, nos depararmos com situações clínicas nas quais se observa um desiquilibrio familiar, embora, muitas vezes, este não seja o motivo de vinda à consulta. Acho importante que haja, por parte do/a terapeuta um esclarecimento nesta área, pelo menos ao nível de referências nas quais poderá procurar o melhor caminho para si enquanto terapeuta e para o seu cliente. Não nos esqueçamos que intervindo apenas num membro da família podemos intervir junto da mesma como um todo, mudando as próprias dinâmicas no sentido da normatividade, como postula um dos axiomas sistémicos. Mais uma vez, bravo!
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