domingo, outubro 08, 2006
Volver de Almodôvar
Uma das nossas leitoras, há já algum tempo, chamou-me a atenção para o novo filme de Almodôvar e disse que gostaria de ler um comentário nosso sobre ele. Finalmente fui vê-lo.
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1 comentário:
Olá, Ana.
Ainda bem que gostou da minha “análise”, não sou perita em Almodôvar e também não tenho pretensões a ser crítica de cinema. Para que fique claro, gostaria de afirmar que gostei muito do filme, como aliás tenho gostado de todos os filmes de Almodôvar (uns mais do que outros).
A minha referência ao facto do filme ser, na minha opinião, sexista assenta no facto de quase não existirem homens no elenco. É um mundo de mulheres agredidas pelos homens (o pai, os maridos). Não dei um destaque particular a algo que é óbvio, precisamente por me parecer demasiado evidente; mas talvez valha a pena referir, porque o que é óbvio para uns não é para todos. O óbvio tem haver, muitas vezes, com as referências habituais.
O óbvio é os danos terríveis da agressão sexual de adultos sobre adolescentes. Agressão aumentada e potenciada pelo facto do agressor ser o próprio pai. As situações de violência e abuso sexual perpetradas por elementos da própria família são, infelizmente, bastante frequentes e as consequências psicológicas devastadoras que dai advém não são, na minha opinião, devidamente retratadas no filme.
A sua questão “Quando é que o agir e o pensar estão em equilíbrio?”, parece-me ser num certo sentido, uma falsa questão, porque pressupõe que a acção e o pensamento se encontram em pólos. Na minha opinião, o pensamento e a acção fazem parte de um único movimento. Agirmos sem pensarmos é gerador de profundo sofrimento assim como pensarmos sem agirmos. O pensamento deve anteceder e preceder a acção, mas só tem sentido se a acção também tiver lugar.
É comum actualmente, pelo menos nos meios em que circulo, pensar-se que o pensamento deve substituir a acção; que no lugar da acção devemos colocar o pensamento, mas, na minha opinião, isto é um equivoco.
Pegando no exemplo do filme de Almodôvar (Volver). A violação que Raimunda sofreu e que teve como consequência ela ficar grávida exigia uma acção. A acção de Raimunda foi sair de casa dos pais e romper com a família. Esta acção implicou uma espécie de divisão do ego, por um lado lida com a realidade (foi abusada, violada e deu à luz uma filha) e de outro recusa/nega essa realidade (não diz quem é o pai da criança). Outras acções poderiam ter sido possíveis, Raimunda poderia ter assassinado o seu próprio pai antes da consumação da violação (como fez a sua própria filha); poderia ter denunciado o pai junto da mãe; poderia ter denunciado o pai junto das autoridades; poderia ter falado disso à irmã e junto com ela poderiam ter tentado enfrentar o pai e fazê-lo compreender os danos, etc. A opção de Raimundo permitiu-lhe manter afastada da consciência a verdade (tinha sido violada pelo pai e concebido um filho dele) e por isso não foi capaz de elaborar a um nível simbólico o que aconteceu. O acontecimento recusado/negado foi-se desenvolvendo não transformado e o assassinato aparece como a forma mais radical de negação. A morte do agressor não altera o acontecimento, mas reforça a negação. Se o agressor está morto, não existe para relembrar a agressão de que se foi vitima e é mais fácil, num certo sentido, fazer de conta que nada aconteceu. O desaparecimento do agressor através da morte equivale inconscientemente ao desaparecimento da agressão e da violação. Mas, na realidade as coisas não desaparecem com a morte do perpetrador, elas mantém-se e continuam a fazer pressão (a nível inconsciente) para serem “resolvidas”.
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