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quinta-feira, maio 17, 2012

EMOCIONALMENTE MUDOS, ou o mundo da alexitimia




"I mean, being a robot's great, but we don't have emotions, and sometimes that makes me very sad." 


Bender, Futurama

O homem de lata do "Feiticeiro de OZ"
Etimologicamente alexitimia quer dizer : sem palavras para as emoções (do grego : a, ausência, lexis, palavra e timia, emoção ).  

As pessoas que têm uma especial dificuldade em identificar e descrever estados emocionais à medida que estes acontecem, e em distinguir os sentimentos das sensações físicas que os acompanham, são apelidadas clinicamente de alexitímicas. 
Na verdade, o conceito de alextimia, foi inicialmente proposto por Sifneos (1972) que trabalhava com doentes psicossomáticos, sofreu revisões posteriores, e define-se actualmente através das seguintes dimensões:
>dificuldade a identificar sentimentos e em distinguir entre sentimentos e sensações físicas de estimulação emocional,
>dificuldade em descrever sentimentos aos outros,
>imaginação diminuída, e
>estilo de pensamento ligado ao mundo exterior.
(Taylor, Bagby e Parker, 1997)
Mr Spock, personagem do "Star Treck"
Os “alexitímicos podem ter, com posterior reflexão, uma sensação vaga de que estavam sob o domínio de uma forte emoção” (por ex.,  uma tristeza chorosa, ou uma ira raivosa) “mas ficam, em geral,  perdidos quando tentam perceber o que levou essas emoções a manifestarem-se”. Por outras palavras, “não conseguem imaginar o que estimulou o seu  humor, a sua disposição. Quando muito podem ter uma sensação desconfortável de algo que mudou no seu corpo” (por ex., o aumento da frequência cardíaca, o corar ou a sensação de borboletas no estômago), e quando pressionados a descrever os seus sentimentos, “os alexitímicos não têm palavras para oferecer, e podem atrapalhar-se, avançar com um resposta forjada ou simplesmente mudar de assunto.”
É frequente o indivíduo “interpretar erradamente a expressão física da emoção como uma expressão física de doença, por exemplo, as lágrimas no rosto tornam-se, não tristeza, mas um defeito no canal lacrimal; o coração acelerado de paixão, uma válvula defeituosa; ou um aperto de ansiedade no estômago, uma apendicite.”
Para estas pessoas  os “estados emocionais podem ser atribuídos a influências adversas de ambiente, como uma mudança no barómetro, tóxicos no ar, ou um colchão desconfortável. É como se houvesse um elo perdido que permitiria que à imaginação formar uma imagem da situação emocional para a mente trabalhar”. 
Stoic Woobie
É importante uma mais clara compreensão desta perturbação, até porque suscita um déficit  comunicacional, de percepção de si e dos outros, com tremendo impacto em toda a esfera relacional (parentalidade, relações conjugais, relações profissionais, etc), e entender que nestas pessoas  as manifestações emocionais surgem muitas vezes travestidas de uma forma somática, e as emoções são geralmente” indiferenciadas, vagas e inespecíficas”.  Não deve ser confundida com outras perturbações ( por ex., com a psicopatia/socopatia, a perturbação de personalidade esquizóide, o estoicismo, e repressão das emoções, a alexitimia masculina normativa, a vergonha e a apatia da fobia social), o que nem sempre é fácil. Também é aconselhável algum cuidado de diagnóstico diferencial, na medida em que subsistem conceitos próximos que se sobrepõem parcialmente a este e co-morbilidades a ter em conta (autismo e síndrome de Asperger, compulsividade obsessiva, perturbações alimentares, perturbações de stress pós traumático, perturbações de personalidade, perturbações depressivas e de ansiedade, perturbações psicossomáticas e abuso de substâncias, doenças e lesões físicas)
Entender as causas (biogénicas ou psicogénicas) desta perturbação tão investigada e tantas vezes associada às perturbações psicossomáticas e doenças físicas em geral, é importante para escolher  a psicoterapia mais adaptada a estas pessoas devendo em geral ser orientada para a melhoria do seu bem estar social e psicológico.
Referência:
Thompson, J. (2009). Emotionally Dumb. An overview of Alexthimia. Australia: Soul Books (eBook). 

quinta-feira, maio 10, 2012

PROJECÇÕES E INTROJECÇÕES


“SHAME” : o novo filme do artista britânico Steve McQueen / Adição sexual e muito mais



"Shame" é um filme avassalador. Avassalador tanto estética, como narrativamente. 
E na nossa condição de voyeurs somos mais voyeurs, tão próximos que ficamos da personagem principal do Brandon, magnificamente interpretada pelo actor Michael Fassbender.  Sentimo-nos colados à sua pele, e ao mesmo tempo vemos dele o que os que com ele convivem não vêem totalmente, sem, contudo, o viver por dentro, sem identificação projectiva. 

A técnica de filmagem recorre ao close-up, a planos muito belos, próximos e precisos que nos aproximam forçadamente dos personagens, com uma crueza que capta o vazio e a nudez, e simultaneamente nos fazem ver e sentir... mais ou menos desconfortavelmente a vida sem passado, nem futuro de Brandon. Inóspita porque sem espaço para albergar afecto.

A história centra-se sobre o tema da adição sexual e do consumo de pornografia que tapa o vazio da existência do executivo nova-iorquino. Apesar da brutal proximidade, e da crueza doméstica do corpo, da quase ausência de história,  não nos escapamos da trama tecida de conflitos internos e relacionais, de desespero, de drama do vazio, e da incapacidade de intimidade. Este último aspecto fica bem claro num encontro com uma colega de trabalho, em que esta procura estabelecer um contacto mais humano e emocional, resultando num encontro sexual defraudado. O sexo já não pode acontecer ali contaminado que está pela aproximação e contacto.

Mas o epicentro da perturbação, uma tensão incestuosa indizível e omnipresente que atravessa o filme, acontece com a chegada da irmã Sissy ( belissimamente interpretada por Carey Mulligan)  e na intensidade da cena em que esta canta uma melancólica e perdida (como ela) versão do “New York, New York”.

O tema da incapacidade para estabelecer relações íntimas e verdadeiros laços afectivos, recorrente nos nossos dias, encontra eco nos nossos consultórios. Uma espécie de dor sem narrativa, nem conteúdo que se encontra enraizada no mais longínquo da história e experiências pessoais de cada um.  Sissy explode, e Brandon implode, como duas facetas desfeitas da mesma coisa.

Um filme que nos faz pensar, e que nos faz sentir, interpelando-nos como se espera de uma experiência estética, sem que a indiferença ocupe o lugar do espectador. Vício e abismo. Auto-destruição e vergonha. Sem redenção. A ver.