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quinta-feira, maio 10, 2012

PROJECÇÕES E INTROJECÇÕES


“SHAME” : o novo filme do artista britânico Steve McQueen / Adição sexual e muito mais



"Shame" é um filme avassalador. Avassalador tanto estética, como narrativamente. 
E na nossa condição de voyeurs somos mais voyeurs, tão próximos que ficamos da personagem principal do Brandon, magnificamente interpretada pelo actor Michael Fassbender.  Sentimo-nos colados à sua pele, e ao mesmo tempo vemos dele o que os que com ele convivem não vêem totalmente, sem, contudo, o viver por dentro, sem identificação projectiva. 

A técnica de filmagem recorre ao close-up, a planos muito belos, próximos e precisos que nos aproximam forçadamente dos personagens, com uma crueza que capta o vazio e a nudez, e simultaneamente nos fazem ver e sentir... mais ou menos desconfortavelmente a vida sem passado, nem futuro de Brandon. Inóspita porque sem espaço para albergar afecto.

A história centra-se sobre o tema da adição sexual e do consumo de pornografia que tapa o vazio da existência do executivo nova-iorquino. Apesar da brutal proximidade, e da crueza doméstica do corpo, da quase ausência de história,  não nos escapamos da trama tecida de conflitos internos e relacionais, de desespero, de drama do vazio, e da incapacidade de intimidade. Este último aspecto fica bem claro num encontro com uma colega de trabalho, em que esta procura estabelecer um contacto mais humano e emocional, resultando num encontro sexual defraudado. O sexo já não pode acontecer ali contaminado que está pela aproximação e contacto.

Mas o epicentro da perturbação, uma tensão incestuosa indizível e omnipresente que atravessa o filme, acontece com a chegada da irmã Sissy ( belissimamente interpretada por Carey Mulligan)  e na intensidade da cena em que esta canta uma melancólica e perdida (como ela) versão do “New York, New York”.

O tema da incapacidade para estabelecer relações íntimas e verdadeiros laços afectivos, recorrente nos nossos dias, encontra eco nos nossos consultórios. Uma espécie de dor sem narrativa, nem conteúdo que se encontra enraizada no mais longínquo da história e experiências pessoais de cada um.  Sissy explode, e Brandon implode, como duas facetas desfeitas da mesma coisa.

Um filme que nos faz pensar, e que nos faz sentir, interpelando-nos como se espera de uma experiência estética, sem que a indiferença ocupe o lugar do espectador. Vício e abismo. Auto-destruição e vergonha. Sem redenção. A ver.