sexta-feira, outubro 27, 2006

Obesidade e Mudança Comportamental

Numa época em que se verifica uma transformação dos paradigmas da doença. A obesidade está a tornar-se na “mãe” de todas as outras.
Esta “mãe” gera mal-estar físico e psicológico. As questões ligadas ao mal-estar físico não me dizem respeito directamente. Uma vez que me cabe a mim diagnosticar ou tratar um diabético que obteve esta doença através de uma dieta desequilibrada e consequente excesso de peso.
No entanto, todo este quadro de nutrição desequilibrada e excesso de peso é gerado por comportamentos do sujeito.
Aqui entramos nas questões ligadas à psicologia. Por vezes os casos de obesidade mórbida escondem outras patologias a nível psicológico e estas têm que ser diagnosticadas e tratadas paralelamente com a dieta prescrita pelo Nutricionista. Afinal cada alimento que colocamos na boca é uma escolha, mas será que as pessoas que estão em dietas de redução de peso sabem porque escolheram ficar doentes?
Cabe ao psicólogo ajudar o cliente a descobrir os porquês de tais comportamentos lesivos para a sua saúde. Mas cabe também ao psicólogo ajudar o cliente a encontrar estratégias eficazes de modificar comportamentos de risco. Ou seja, identificar as armadilhas do consumo, os padrões de comportamento alimentar e implementar hábitos de exercício físico regulares.

Em resumo, e em tom de brincadeira. Quando nos entra um sujeito com problemas de peso no consultório, não podemos pensar em comer… temos que pensar como este cliente vai passar o seu tempo enquanto não come!!!

terça-feira, outubro 24, 2006

O amplo feminino II

No artigo “Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio”, Maria Emília Marques questiona-se partindo de dois pressupostos, um primeiro, explicitado no excerto do post deste blog, “O amplo feminino”, directamente ligado às várias visões e discursos históricos, sociais e culturais lançados sobre a natureza da mulher.

“… uns afirmam uma natureza leviana e instável, mesmo violenta, que contém em si o germe e a essência da desordem e da discórdia, que exigiria a sua inscrição numa lei-ordem que teria de lhe ser imposta de fora; outros proclamam uma natureza sagrada, fértil e fertilizante, mas a precisar de ser conduzida e dominada por ser perigosa; outros, referem a natureza já dominada, masoquista e submissa; por fim, outros inquietam-se porque teria uma natureza enigmática.”

Ainda dentro desde pressuposto, a autora frisa o inevitável lugar que o feminino sempre ocupou, lugar de um questionar constante e fundamental, embora surja, neste tipo de discursos, ora silenciado, ora subjugado.

Depois, o silenciar o feminino ressurge numa forma inquietante, o silenciado é algo que está sempre prestes a emergir. O masculino, aquele que ordenaria e subjugaria o feminino, impondo-lhe várias leis e reivindicando e conquistando os seus produtos, remeteu-o para o duplo lugar da exclusão e do indizível, enquanto, por outro lado, ele permanece no lugar do imanente e do inacessível.”

Um segundo pressuposto seria o da leitura do próprio psiquismo no seio da compreensão psicanalítica. Este pressuposto remete a leitura do feminino para uma questão mais ampla, em que, e mediante a apreensão que a autora tem do humano e de acordo com o seu exercer clínico, feminino e masculino habitariam cada um de nós à luz das identificações, no seio das relações e da intersubjectividade. Desta forma, feminino e masculino separar-se-iam da condição da mulher e da sua correlação à condição do homem. De uma forma directa e concisa, feminino não será mulher e masculino não será homem. Esta leitura requererá uma maior e mais profunda captação de significações, não se prende com uma mera diferença de sexos.

A diferença de sexos tem sido sempre alvo de caracterização, de classificação, mesmo de hierarquização. (…) De facto, o dizer sobre um sexo está sempre na relação com o outro sexo. Falar de um sexo impõe sempre colocá-lo perante o outro sexo. Há uma inevitável e incontornável reciprocidade entre os sexos. Só que temos de saber o que nesta reciprocidade sabemos sobre o específico de cada um dos sexos, ou se só sabemos da relação de um a outro.”

Para não prolongar mais este post, termino deixando a questão em aberto… para um amplo feminino III.

Será necessário poder afirmar-se uma especificidade para além desta reciprocidade, na busca de uma identidade.”

domingo, outubro 22, 2006

Palavras...


Ao pensar nas palavras para a composição do presente post, dou por mim a reflectir no valor e lugar que ocupam as palavras. As palavras que pensamos, ecoamos, dizemos, ... O valor das palavras no contexto da relação terapêutica. Já Freud, no seu artigo intitulado " A Questão da Análise Leiga" punha na voz da pessoa imparcial, inspirado em Hamlet, "Nada mais do que isto? Palavras, palavras, palavras, ...", sublinhando que as palavras são um instrumento poderoso na nossa prática clínica.
Mas, se as palavras assumem a sua qualidade na cosntrução literária, por exemplo, é no seu pronunciar, pela voz humana, que ganham seu mais íntrinseco significado. É quando ganham corpo no sentir de quem as profere que também em nós impelem seu valor semântico (?!), nem sempre correspondente ao significado real de quem as enuncia mas interiorizadas pelo sentido singular de quem as ouve..
Pensando mais uma vez no que se tece no espaço e tempo de uma relação terapêutica, as palavras por si só não revelam seu total valor mas o significado emocional que contêem, e o pensar sobre esse mesmo siginicado, num lugar onde reina a intersubjectividade é que elas talvez possam revelar mais de si. Pensar com alguém, na presença então de um outro que co-pensa. O poder das palavras eventualmente assume-se no aqui e agora, onde passado, presente e futuro (con)fundem-se. O acto de pensar as palavras no enlace relacional, numa Outra relação, numa nova relação, como diria Coimbra de Matos, ou como diria Widlocher, o co-pensamento que permite a prática associativa no contexto da relação terapêutico, embebe as palavras do que em si sustentam de mais profundo dos seres que as evocam e entoam...
Enfim, palavras soltas...

sábado, outubro 21, 2006

Filosofia Clínica

Na revista Sábado desta semana vem uma entrevista com o filosofo Lou Marinoff. Este filósofo é considerado o pai do aconselhamento filosófico ou filosofia clínica e autor "Mais Platão, Menos Prozac!".

Encontrei também num quiosque de revistas à venda o primeiro número de uma nova revista de Filosofia (brasileira) que também dá um enorme destaque à Filosofia Clínica. Parece ser uma modalidade de ajuda psíquica que começa a ter alguma aceitação e que na minha opinião poderá estimular algumas reflexões.

A Psicologia e a Filosofia são parentes próximos. A Filosofia é a mãe de todas as ciências, mas nos últimos anos tem vindo a perder, infelizmente, a sua condição de disciplina base na constituição da educação. A psicologia e a grande maioria das psicoterapias são “filhas” da filosofia, no entanto devemos questionar-nos sobre qual poderá ser o efeito de colocar filósofos a fazer o trabalho de psicoterapeutas. Ao ler os artigos que anteriormente referi fiquei “espantada” com a proximidade à psicoterapia existencial, de apoio e também, de forma mais superficial, à psicoterapia psicanalítica.

Poderá o aconselhamento filosófico ser suficiente para resolver os problemas psíquicos? Enquanto psicoterapeuta com mais de uma década de prática clínica, parece-me difícil que o aconselhamento filosófico seja capaz de ajudar pessoas com níveis de angústia muito elevados, mas acho genericamente a ideia interessante. Parece-me que é necessário que as pessoas se interessem mais por reflectir e pensar sobre si próprias e sobre a vida que têm. Se entendi bem, os recursos técnicos da filosófica clínica passam principalmente pelo aconselhamento da leitura de obras filosóficas e posterior analise das mesmas em conjunto com o cliente e a articulação dessas filosofias com a vida pessoal e concreta da pessoa que se sente angustiada. Esta abordagem técnica parece-me ter à partida uma limitação porque a maioria das pessoas não é capaz (leia-se não tem interesse suficiente, ou nalguns casos, a capacidade de abstracção suficientemente desenvolvida) de ler um romance, sendo pois improvável que o façam com uma obra filosófica.

No artigo da revista Filosofia a prática da filosofia clínica aproxima-se bastante do trabalho realizado em psicoterapia psicanalítica influenciado pelo pensamento de Wilfred Bion, mas num nível que me parece ainda bastante superficial e banhado por um optimismo ingénuo. Estará, contudo, a filosofia a fazer uma aproximação à psicologia/psicanalise?

Algumas ideias da Filosofia Clínica:

“As pessoas devem deixar as muletas e arranjar recursos interiores para enfrentar os problemas”;

“Considerando a Filosofia como uma atitude de construção de conceitos a partir de um problema de uma realidade singular, a Filosofia Clínica coloca-se como uma terapêutica centrada na pessoa e no respeito à sua singularidade, dispondo-se a pensar sobre o problema apresentado pela pessoa, a partir do plano da realidade singular dessa mesma pessoa”;

“O filósofo assume a função de cuidador, investido do conhecimento produzido em toda a história da filosofia”.

“Quando um partilhante procura um filosofo clínico, em geral o faz porque algo o incomoda. Em conversa inicial, filosofo clínico e partilhante estabelecem o primeiro momento da cínica: a intersecção, a qualidade da relação entre ambos. Após a conversa, o partilhante preenche uma ficha clínica com dados pessoais, termo de esclarecimento e consentimento para o trabalho clínico. Partindo do principio que nos construímos a partir da história de nossas vivencias, o próximo passo consiste em colher o histórico de vida do partilhante, contado por ele mesmo, cronologicamente e em detalhes. Esse histórico servirá de fonte para a obtenção de dados sobre os três eixos fundamentais: Exames categoriais, Estrutura do pensamento e Submodos.

Enquanto o partilhante conta a sua história, o filósofo clínico limita-se a interferências mínimas, apenas para permitir a intersecção, pedindo continuidade, levando a pessoa a retomar o curso da sua história em caso de este se perder.
O filósofo clínico entende que o partilhante poderá, inicialmente, omitir dados, distorcê-los, mentir, inventar, entre outras coisas. Ainda assim, os dados distorcidos o são a partir de referenciais do partilhante. Sua Estrutura de pensamento desvenda-se ainda que o histórico contenha distorções.

No procedimento seguinte, Divisão, a história do partilhante é recontada, agora com delimitação de períodos, para que sejam feitas correcções e aquisição de mais dados, pois ao contar a história, o partilhante poderá optar por uma linha de raciocínio, contando, por exemplo a sua história familiar, escolar, de trabalho, ou afectiva, deixando de lado muitos outros elementos vividos. O procedimento divisório é repetido inúmeras vezes até que não surjam dados novos.

Terminada a divisão é o momento dos Enraizamentos. Trata-se de um processo epistemológico para pesquisar o conteúdo de termos e estabelecer relações e testar hipóteses clínicas”.
In Filosofia, (1) Ano I, 2006, Ediora Escala. pp. 70-81

Penso que a filosofia clínica é uma corrente com potencial, se bem que ainda esteja numa fase bastante inicial. Será algo a acompanhar com interesse.

terça-feira, outubro 17, 2006

O amplo feminino...

“…enquanto mulher interrogo-me e procuro argumentos para a desqualificação e o silenciamento que marcam algumas visões e discursos sobre o género feminino, visões e discursos segundo os quais algo na mulher seria/ teria uma segunda natureza, natureza essa que teria de ser domada ou dominada, o que também significa silenciada e excluída.”

Maria Emília Marques, "Sobre como é que as mulheres ficaram em silêncio",
Revista Portuguesa de Psicanálise, nº 23, 55-74

quinta-feira, outubro 12, 2006

As Armaduras e o Destino: Um Conto Sistémico

“Era uma vez dois jovens que, interessando-se um pelo outro, decidem fundar uma família. Provinham ambos de famílias de longas tradições, mas essas tradições eram muito diferentes pelo seu conteúdo.
As indicações que essas tradições davam pareciam sobretudo dizer respeito ao comportamento que se esperava dos homens, o que na época não era raro.
Na família do rapaz, eram descritos como fortes, impulsivos, de temperamento quente, mas também briguentos e irritáveis. Pelo contrário, na família da rapariga, eram vistos como estáveis, tranquilos e justos. Acima de tudo, o rapaz não queria transmitir a herança da sua linhagem. Sofria ainda com frequentes conflitos provocados pelo pai.
Os dois jovens casaram e, no mesmo ano, nasceu o seu primeiro filho. Ela tinha 20 anos e ele 25. Cinco anos depois, têm, novamente, um filho do sexo masculino e, dez anos depois, uma menina.
O jovem, que agora se tornou pai, preocupava-se em proteger os seus filhos dos problemas e dos perigos do mundo, cada vez em maior número, que via aumentar sem interrupção. Para cada um dos filhos fabricou uma armadura que deveria assegurar-lhes alguma protecção. A mãe tinha dificuldade em compreender a necessidade das armaduras mas, por outro lado, não queria opor-se ao que o marido fizesse para o bem dos filhos.
Enquanto eram pequenos, os filhos satisfaziam-se muito com essas armaduras. À medida que foram crescendo, começaram a tornar-se incómodas e constrangedoras. Tornaram-se muito apertadas e sufocantes. As armaduras eram agora mais um constrangimento do que uma protecção mas, estranhamente, os filhos tinham dificuldade em as despir e guardar.
As angústias dos pais foram então tristemente confirmadas. O filho mais velho caiu do cavalo. A pesada armadura não o ajudou e ficou gravemente ferido. Os pais trataram-no o melhor que puderam, mas ficou com algumas perturbações.
No interior da sua armadura, o filho mais novo sentiu dificuldade em respirar e angústia. Contudo, recusou deixar a armadura. Preferiu morrer.
Quanto à rapariga, a armadura impediu-a de ter contacto com o próprio corpo. Os seios e as ancas pareciam-lhe estranhos porque não tinham lugar no envelope de metal. Experimentou deixar de comer para poder aguentar-se na armadura. Os pais tentaram fazê-la sair da armadura mas parecia que ela não conseguia acreditar nas palavras que eles pronunciavam. Queria guardar para si a armadura, embora todo o crescimento constituísse um sofrimento terrível. Chegou mesmo a acontecer assustar-se com a ideia de assimilar não apenas o alimento mas também o saber. Porque o saber podia também contribuir para a fazer crescer e aumentar, assim, o esmagamento no interior da armadura; daí, sem dúvida, o facto de afirmar ser muito estúpida para aprender o que quer que fosse, tentando, deste modo, proteger-se do conhecimento”(cit. in Caillé, P.; Rey, Y., 2003, pp. 87).

O conto sistémico é uma técnica psicoterapêutica que permite aos elementos da família “verem-se ao espelho”, transportando-os para uma família imaginária, que é, e ao mesmo tempo não o é, visto ser a família consultada. O trabalho é feito sobre o modelo fundador da família, fazendo sobressair o “Absoluto Familiar da sua posição de paradigma dominante e inconsciente, triangulando-o como objecto de relação entre a família e o terapeuta. Através dessa narração-mensagem, este último propõe uma representação metafórica que veicula uma alternativa entre as finalidades de pertença (lealdades familiares) e as finalidades de inserção na sociedade (individuação)”(cit.in Caillé, p.92). O conto provoca o aparecer das contradições entre a necessidade de preservar o Absoluto Familiar, segurança da identidade familiar, e a necessidade de inserção na comunidade, indício de autonomia.
Como vemos no conto descrito, a família é confrontada com o seu modelo próprio num contexto simbólico dado pela armadura, introduzindo dessa forma o aspecto rígido e defensivo do seu funcionamento.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Édipo - Tragédia Grega

Num dos anteriores posts foi feita uma alusão ao mito de Édipo, pelo que, aqui fica a tragédia grega de Sófocles.

Laio, Rei de Tebas e marido de Jocasta, vivia amargurado por não ter filhos, pelo que, decidiu consultar o Oráculo, tendo-lhe, este, advertido que filho que gerasse havia de o assassinar. Apesar das advertências, Jocasta engravida e Laio, quando o bebé nasceu, ordenou a um servo que o pendurasse pelos pés numa árvore, para que este morresse. Daí o nome Édipo (que significa pés inchados).

O servo de Laio, desrespeitando as ordens, acabou por colocar a criança num cesto e jogou-a ao rio, acabando este, por ser resgatado por um rei duma terra distante, que o elegeu como seu filho. Este, já homem, também consultou o Oráculo, o qual o aconselhou a evitar a sua pátria, pois iria ser o assassino de seu pai e marido de sua mãe. Desconhecendo as suas origens e pensando-se filho de Pôlibo e Mérope, reis de Corinto, Édipo decidiu partir rumo a Tebas. Durante o seu percurso, e no meio de uma encruzilhada, deparou-se com um velho com o qual manteve uma acérrima discussão acabando por matá-lo.

Chegado a Tebas decifrou o enigma da Esfinge (monstro com cabeça de mulher e corpo de leão), que impossibilitava a entrada na cidade, e como nunca ninguém o havia decifrado, a Esfinge jogou-se ao mar, tendo Édipo libertado a cidade da sua maldição. Creonte, irmão de Jocasta, havia prometido a mão desta a quem libertasse a cidade da Esfinge, ganhando assim, Édipo, o direito a casar com Jocasta, agora viúva.

Casaram, Édipo foi proclamado Rei e tiveram dois filhos e duas filhas, reinando sem grandes dificuldades, até ao dia em que se instala a peste na cidade e Édipo decide consultar o Oráculo, que lhe refere que a peste cessaria quando fosse expulso o assassino de Laio. Édipo dispôs-se a encontrá-lo, mas quando se apercebeu que ele próprio fora o assassino de Laio, seu pai, e o esposo de sua mãe, e vendo que apesar de fugir contra a profecia esta acabou por se realizar, arrancou os olhos e deixou a sua pátria.

domingo, outubro 08, 2006

Um artigo sobre Repetição e Estilo em Almodôvar

A-propósito do filme de Almodôvar – Voltar, encontrei um artigo muito interessante sobre a Repetição e o estilo de Almodôvar.

Vale a pena ler, este é o resumo:

"A trajetória teórica de Freud o leva a considerar a repetição como um elemento estrutural do sujeito. Sendo a repetição inevitável, porque constituinte do ser humano, interessa-nos entender como esse fenômeno pode ser identificado e interpretado através de uma produção artística. A nossa tentativa, portanto, é de buscar o sujeito dentro do discurso do texto cinematográfico. Para tanto, analisaremos três filmes do diretor espanhol Pedro Almodóvar, identificando o que se repete dentro de cada obra e de uma obra para outra. A partir desse levantamento, acreditamos poder identificar o que se constitui no estilo do autor, conforme essa noção é entendida por Foucault. As obras analisadas serão Matador (1985), De Salto Alto (1991) e A Flor do meu Segredo (1995)."

Volver de Almodôvar

Uma das nossas leitoras, há já algum tempo, chamou-me a atenção para o novo filme de Almodôvar e disse que gostaria de ler um comentário nosso sobre ele. Finalmente fui vê-lo.

Acho que o filme fala, entre outras coisas, da transgeracionalidade da psicopatologia e, obviamente, do incesto. É um filme que excluí o masculino. Os homens que aparecem são secundários e representam de alguma forma, o mau. São os homens que violam, que abusam, que são desrespeitosos e insensíveis. Na minha opinião, o filme contém um ataque ao masculino.

É um filme catalogado como surrealista mas, na minha opinião, é até muito realista em muitas das coisas que retrata, nomeadamente no dia-a-dia da vida e realidade espanhola.

Para quem não viu o filme vou tentar resumi-lo em meia dúzia de palavras. Fala de uma família (mãe, pai, tia e duas irmãs) que cresceram numa pequena povoação. Uma das irmãs (Raimunda) foi abusada sexual pelo pai e engravidou dele com completo e absoluto desconhecimento da mãe. Após a gravidez, Raimunda não revela o nome do pai da sua filha e sai de casa, ressentida e magoada com a mãe por esta não a ter protegido do abuso de que foi alvo. O pai, incapaz de lidar com as consequências dos seus actos, emigra temporariamente e quando regressa continua infiel à mulher (Carmen Maura), mantendo relações extraconjugais, inclusivamente com a vizinha da frente.

A bebé fruto da relação incestuosa nasce e quando tem 14 anos vê-se em circunstâncias semelhantes à da sua própria mãe, isto é, o companheiro da mãe que ela pensava ser o seu pai, tenta abusar sexualmente dela. A diferença é que a adolescente (Yohana Cobo) mata o pai para evitar o abuso e a mãe protege-a, cuidando para que o homicídio não seja descoberto. Dez anos depois da concepção incestuosa, a mãe de Raimunda mata o marido quando ele dormia a sesta com a amante e mata-o porque ficou a saber do incesto. Nenhum dos homicídios é condenado no filme, ambos aparecem como justificados e ninguém é punido por neles, nem sequer é perceptível o sentimento de culpa ou o remorso.

Volver fala da transgeracionalidade da psicopatologia na medida em que vemos a reprodução em duas gerações diferentes de uma mesma situação. A filha abusada sexualmente pelo pai e grávida deste, escolhe para seu companheiro um homem que vai tentar abusar da sua filha quando ela tem uma idade próxima há que ela própria tinha na altura em que foi abusada pelo seu pai. Diríamos que inconscientemente, Raimunda (Penélope Cruz) aceitou a filha fruto da relação incestuosa, mas não foi capaz de “resolver” a zanga e ódio com que ficou em relação aos seus pais, principalmente ao seu pai, o agressor. Este ódio não resolvido passou inconscientemente como legado transgeracional e foi “depositado” na filha que perante uma situação semelhante àquela que a sua mãe tinha vivido age o ódio materno, matando o pai. Raimunda revive a situação de que foi vitima 14 anos antes e contrariamente à sua própria mãe, coloca-se do lado da filha e enterra o marido. A nova situação de incesto ajuda a resolver o “trauma” que tinha ficado bloqueado. A nova aproximação entre mãe e filha (Raimunda e a sua mãe) acontece à custa da morte do pai (morto num incêndio causado deliberadamente pela mulher), como se tivesse sido reposta a justiça. A pressão para que a verdade sobre o 1º incesto se saiba é exercida pela filha da vizinha (Agustina/ Blanca Portillo) que insiste em saber o que aconteceu à sua mãe.

Num certo sentido, poderíamos dizer que este filme é uma aproximação ao mito de Édipo, há um elemento que pressiona para que a verdade seja investigada (como a esfinge em Édipo); há uma relação incestuosa (como Édipo e Jeocasta) e há a necessidade de voltar ao passado para resolver ódios e rancores não digeridos. A grande diferença está no facto de em Volver (que significa voltar em português) o masculino é aniquilado e os “maus” estão apenas num dos lados; não há densidade psicológica matizada pela ambivalência do desejo. Os homens são agressores e as mulheres são vítimas. As mulheres tornam-se agressoras para repor a justiça depois de terem sido vitima. Na minha opinião o filme peca por ser sexista, mas mostra a crença (inconsciente) provavelmente fortemente instalado em muitas pessoas, de que os homens são potencialmente agressores e as mulheres vitimas; mas que o dia da vingança acabará por chegar.

É precisamente na aniquilação do masculino que me parece que o filme perde o seu grande potencial. A transgeracionalidade mostra a importância de “recordar, repetir e elaborar”, isto é, mostra como para aprendermos a lidar com um determinado episódio traumático temos que o recordar e por vezes repeti-lo experiencialmente para que o possamos elaborar definitivamente. O próprio processo psicanalítico é, num certo sentido, uma forma de criar condições apropriadas para que a pessoa possa recordar, repetir e elaborar. Contudo no filme, a parte do elaborar não é suficientemente trabalhada, não há uma verdadeira elaboração da experiencia traumática de ter sido abusada sexualmente pelo pai, há sim, o agir de uma vingança e a aniquilação do agressor. Matar o pai não é solução na medida em que esse mesmo acto é gerador de um outro trauma, como dizia a adolescente para Raimunda “pensas que é fácil ter de lidar com o facto de sabermos que matámos o nosso próprio pai?” (citação reproduzida de memória). No filme a adolescente não mata verdadeiramente o pai, porque o seu verdadeiro pai era o seu avô. Portanto, na verdade, no filme, nenhuma filha mata o seu próprio pai; mas a fantasia é a de que a filha mata o pai.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Blogs interessantes

Três blogs interessantes:

Sobre Banda Desenhada: Cara de BD
Sobre Enfermagem Pediátrica: Criancices
Sobre Filosofia, Cultura e Política: Odisseus

domingo, outubro 01, 2006

Bruxismo - O que é isso?

Hoje decidi falar acerca do Bruxismo e sua definição etimológica, isto porque, outro dia, no meu local de trabalho, fui abordada por uma professora que me queria colocar uma questão acerca do ranger dos dentes durante o sono e se este acto se poderia associar a causas psicológicas.
Após ouvi-la, referi que se tratava de um distúrbio do sono e que se designava por Bruxismo, ao que me respondeu, "O que é isso?" provocando até, um gargalhar entre nós, causado pela sua designação ciêntífica, que, à primeira impressão, nos conduz para uma associação com fenómenos da ordem do profano.
Bruxismo provém da palavra grega Brychein que significa constrição/apertar - que se reflecte na actividade de ranger os dentes. Esta actividade está presente em muitas crianças, assumindo carácter patológico quando se desenvolve diáriamente.
Este distúrbio do sono insere-se nas Parassónias, que são perturbações caracterizadas por comportamentos anormais ou acontecimentos fisiológicos que ocorrem em associação com o sono e implicam a activação do sistema nervoso autonómico (DSM-IV).
Daí que, por vezes, uma das causas referidas para este acontecimento tenha que ver com alterações neurológicas, mas na maioria dos casos, são situações stressantes e ansiogénicas que estão na origem deste distúrbio.
No que concerne a tratamento, estas situações são, muitas vezes, apenas observadas em Odontologia, com a aplicação de uma placa que promove a estabilidade mandibular e reduz a actividade tensional, mas e o estado emocional stressante e ansioso que está na origem destes espasmos? É preciso não esquecer que o Bruxismo comporta, na sua etiologia, factores como a agressão contida, a tensão emocional e a frustração, o que se associa, indelévelmente, com a perturbação da ansiedade e com a gestão do impulso agressivo.
Para além de todos os tipos de tratamento que se possam efectuar, é necessário não descurar a componente psicológica devendo-se trabalhá-la em psicoterapia, por forma a actuar ao nível da redução da tensão emocional, da agressão reprimida, da ansiedade, da raiva e do medo.

Dia Mundial do Idoso

O envelhecimento continua a ser visto como uma condição de profunda degradação. Os idosos são infantilizados e desvalorizados como se fossem excluídos sociais.

Cabe-nos a todos, e particularmente a nós psicólogos, contribuir para a construção de uma nova imagem associada ao envelhecimento. À medida que a pirâmide do envelhecimento se transforma num rectângulo devemos compreender que a faixa etária dos 65 aos 80 engloba um número cada vez maior de pessoas cujas qualidades e competências se mantêm suficientemente activas para serem cidadãos tão válidos como quaisquer outros.

Os cuidados de saúde mental nesta faixa etária são extremamente negligenciados. De acordo com as estatísticas os idosos sofrem menos perturbações psiquiátricas do que os outros adultos; contudo empiricamente é possível perceber que as estatísticas não correspondem à realidade. Esta discrepância assenta, na minha opinião, em dois factores fundamentais: por um lado, são efectivamente diagnosticadas menos as doenças psiquiátricas graves a eclodirem em idades avançadas e por outro, as perturbações psicológicas são genericamente consideradas “normais” e consequentes aos efeitos do envelhecimento.

Há, na minha opinião, dois problemas fundamentais. O primeiro prende-se com a inexistência de critérios de diagnóstico devidamente aferidos para as pessoas de idade avançada. O segundo está relacionado com a ignorância e a reduzida informação sobre os efeitos do envelhecimento generalizados, gerando confusões frequentes entre o efeito da idade e as perturbações psíquicas. É frequente diagnosticarem-se patologias cerebrais orgânicas deficitárias, em vez de se compreender a complexidade das dinâmicas conflituais. Esta situação ocorre, no meu entender, demasiado frequentemente, e impede uma intervenção adequada, tendo consequentemente um impacto negativo sobre a qualidade de vida dos mais velhos.

sábado, setembro 30, 2006

Um breve Olhar sobre a Terapia de Casal

“A terapia de casal é a modalidade de terapia familiar mais difícil de fazer. Trabalhar racionalmente sentimentos que são profundamente irracionais é complexo. A construção de uma relação marital começa pelo sentimento de amor inexplicável. Ninguém sabe porque ama e, quando tenta saber, estraga tudo” (cit. in Gameiro, 1994, pp.38).

Cada cônjuge traz consigo uma história, uma família, cujas heranças familiares são transportadas para a relação, com todos os mitos, regras, valores, lealdades, em que a relação que cada um tem com a sua família de origem, poderá originar conflitos interaccionais.
Para além desta compreensão individual de cada elemento da díade e padrões relacionais, a perspectiva sistémica em terapia de casal, assenta num olhar sobre a relação conjugal, cujo conflito não é resultado de problemas de um ou outro elemento do par, mas sim em que todo o sistema está envolvido, tendo em conta o seu ciclo vital. O objectivo é que a relação se torne mais satisfatória para o casal, numa aceitação de que, como refere Gameiro, “não é possível mudar o outro, o melhor que se consegue é que o outro mude qualquer coisa na relação”, quebrando mitos impossíveis e desgastantes e promovendo a mudança, nunca privando a liberdade de escolha do casal relativamente ao futuro da relação.

“Soneto do amor total”

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.

Poema de Vinicius de Morais (Livro de Sonetos, 1951), retrata um tema tão falado e discutido, tantas vezes escrito e pronunciado, tantas vezes sofrido e desejado.

Desde as histórias infantis, dos príncipes e princesas, desde os poetas que aprendemos até aos livros que nos despertam a atenção pelos títulos curiosos, desde Eros e Psique, simbólico do percurso doloroso da procura da unificação entre o Amor e a Alma... desde as nossas relações afectivas e das nossas histórias, que procuramos o “soneto de amor” na nossa vida.

Deixo então aqui a reflexão: Mas afinal o que é o Amor?

segunda-feira, setembro 25, 2006

Limpa Chaminés

"-Por favor, limpe a chaminé sobre a paixão e a vida - incitou Nietzsche.
- Uma das minhas pacientes é uma parteira - prosseguiu Breuer. - Está velha, encarquilhada, sozinha. Sofre de problemas cardíacos. Mesmo assim, está apaixonada pela vida. Certa vez, perguntei-lhe a fonte da sua paixão. Respondeu-me, então, que era o momento entre erguer um recém-nascido silente e o dar-lhe a palmada da vida. Ela renovava-se, assim dizia, pela imersão naquele momento de mistério, aquele momento entre a existência e o esquecimento.
- E consigo, Josef? O que se passa?
- Sou como a tal parteira! Quero estar próximo do mistério. A minha paixão por Bertha não é natural; é sobrenatural, sei disso, mas preciso de magia. Não consigo viver a preto e branco.
- Todos precisamos de paixão, Josef - interrompeu Niestzsche. - A paixão dionísica é vida. Mas a paixão tem que ser mágica e aviltante? Não haverá uma forma de dominar a paixão? Deixe-me falar de um monge budista que conheci o ano passado em Engadine. Vive uma vida frugal. Medita durante metade das suas horas de vigília e passa semanas sem trocar uma palavra com ninguém. A sua dieta é simples: uma única refeição por dia, aquilo que conseguir que lhe dêem, talvez uma maçã. Mas medita sobre a maçã até que esta prenhe de vermilhidão, de suculência e de vivacidade. Ao fim do dia, apaixonadamente, antecipa a sua refeição. A conclusão é, Josef: não precisamos de renunciar à paixão, mas temos que mudar as nossas condições para a paixão.
Breuer concordou, com um movimento da cabeça."


Quando Nietzsche chorou de Irvin D. Yalom

domingo, setembro 24, 2006

Aniversário da morte de Freud

Freud morreu a 23 de Setembro de 1939

Apesar de já ter morrido há 67 anos Freud continua a ser o único nome que a maioria das pessoas associa à Psicanálise.

Freud construiu as fundações de uma forma especial de olhar, intervir e pensar a vida mental. A Psicanálise deve a Freud a sua existência, assim como todos devemos a Edison a lâmpada eléctrica. No entanto, prendermo-nos demasiado a Freud pode induzir-nos no erro de pensarmos que a Psicanálise se reduz há vasta obra que Freud produziu.

Nos últimos 60 anos a Psicanálise sofreu modificações profundas, tendo inclusivamente gerado um número muito significativo de escolas que se desenvolveram em ramos específicos de intervenção, nomeadamente na psicologia dos bebés e dos recém-nascidos.

A Psicanálise é uma corrente viva e aberta à integração dos avanços que a sociedade vai adquirindo, e não um saber estático e cristalizado no princípio do século passado. Independentemente da influência e actualidade que as ideias de Freud inegavelmente tenham, é importante reconhecer a Psicanálise como corrente em constante evolução.

Abundam os preconceitos e as ideias feitas sobre a Psicanálise. Um dos objectivos deste blog é oferecer um espaço para que esses preconceitos possam ser desfeitos e contribuir para a divulgação da Psicanálise actual, sem no entanto esquecer as suas origens e influências.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Identificação ao agressor

No número de Setembro da revista Psicologia Actual vem um artigo sobre a síndrome de Estocolmo e o caso de Natascha Kampusch. O caso foi muito falado em Agosto pelo que não me irei detalhar nele.

Nesse artigo (não assinado) vem referido o mecanismo de identificação ao agressor como sendo um dos “responsáveis” pela simpatia que as vitimas têm em relação aos seus agressores. Na caixa 1 o autor tenta explicar o mecanismo de identificação ao agressor, mas na minha opinião, falá-lo de forma incorrecta. Na identificação inconsciente ao agressor não se desenvolve uma simpatia para com o agressor, mas uma espécie de assimilação da identidade do agressor, a vítima torna-se ela própria agressora. No caso de Natascha tratar-se-ia de identificação ao agressor se ela própria raptasse uma criança e fizesse com essa criança algo aproximado ao que lhe fizeram a ela.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Burnout e Depressão

Segundo Schaufeli e Enzmann (1998) “Burnout e sintomatologia depressiva não são simplesmente dois termos para iguais estados disfóricos. Sabemos que compartilham apreciável variância, especialmente quando a exaustão emocional está envolvida, mas os resultados não indicam completo isomorfismo. Nós concluímos que o burnout e a sintomatologia depressiva não são conceitos redundantes.”

Talvez a questão a colocar será “ Até que ponto, a classe médica não estará a banalizar o burnout, como um mal da sociedade, sem dar ao trabalho de fazer um diagnóstico completo da personalidade do sujeito?”

Afinal não são os acontecimentos que nos perturbam, é o modo com encaramos os acontecimentos que nos pode perturbar!

Mas esta é apenas a minha opinião…

Agora gostava de saber qual é a vossa?

domingo, setembro 17, 2006

Psicoterapias na Idade Avançada

No próximo dia 7 de Outubro vamos dar um curso introdutório sobre Psicoterapias na Idade Avançada no Instituto Superior Miguel Torga em Coimbra.

Tem havido, na minha opinião, até há relativamente pouco tempo uma grande negligência por parte dos psicólogos no apoio psicológico e psicoterapêutico à faixa etária que não se enquadra nos grandes idosos (acima dos 80 anos), mas que também já não corresponde inteiramente à psicologia mais banal do adulto. Refiro-me a todas as pessoas que se encontram entre os 60 e os 80.

Estas pessoas estão numa situação especial, ainda não se têm que defrontar com os grandes problemas de saúde que atingem os grandes idosos, mas sentem de uma forma muito clara que uma parte substancial da vida já foi vivida.

Frequentemente as pessoas deste grupo etário tendem a deprimir e a desinteressarem-se por elas próprias, mas raramente recorrem a um psicoterapeuta que as possa ajudar.

Se nós enquanto profissionais passarmos a estar mais atentos às necessidades específicas das pessoas deste grupo etário, então, muito provavelmente as pessoas também passarão a estar mais atentas a si próprias e a sentirem-se capazes de recorrer à nossa ajuda.