terça-feira, janeiro 30, 2007

ABORTO SIM OU NÃO...SERÁ SÓ ESTA A QUESTÃO?

Ontem assistiu-se a mais um longo debate de ideias e ideais sobre a polémica e pertinente questão do aborto (programa Prós e Contras, RTP1).
Para além da questão central do referendo, "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?", outras questões surgem. Uma delas de amplo interesse para este Blog, a questão das repercussões psicológicas que eventualmente poderão estar associadas a uma situação de interrupção da gravidez (neste caso voluntária).
Sem apontar caminhos e lançar respostas, ou hipóteses de resposta, deixo em aberto este espaço para que, profissionais de saúde mental, e todos aqueles que pretendam reflectir sobre esta matéria, possam aqui fazê-lo voluntariamente.

6 comentários:

Ricardo Pina disse...

A interrupção voluntária da gravidez (prefiro este conceito ao de «aborto»), tal como prevista na lei que vai a referendo, implica a condição fundamental da opção, que pertence à mulher. Quezílias filosóficas e penais à parte, é importante focalizarmo-nos (técnicos de saúde mental) nas implicações que tal tomada de decisão acarreta para a mulher e para a sua função maternal.

Acreditando que a maternidade se inicia pela tomada de consciência da gravidez, a sua interrupção voluntária surge inevitavelmente como uma interrupção da maternidade. Se a maternidade compreende a criação e a concepção, e a mãe fantasmática é uma mãe «criadora», ao interromper voluntariamente a sua gravidez outra fantasmática se lhe opõe: a de mãe «destruidora». Aqui, a função maternal, no imaginário da mulher, pode ser minada por uma fantasmática de filicídio, na falência da função criadora e na emergência da sua face destrutiva.

Ora, isto apela à organização do psiquismo infantil tal como demonstrada por Melanie Klein, para quem a fantasmática da criança se inunda de desejos de destruição do que se encontra no corpo da mãe, a par dos desejos amorosos que sente por ela, bem como ao desejo de reparação dos danos que, na sua fantasia, lhe provocou. Caso a mulher que interrompe voluntariamente a sua gravidez não tenha devidamente acedido à posição depressiva ou, de uma forma geral, não saiba nem queira lidar com a sua própria agressividade e destrutividade, então ela está, no plano teórico, propensa ao sofrimento pela culpabilidade ou vergonha provocados pela ascensão da sua destrutividade...

Este é o único cenário que consigo imaginar, visto que não trabalho na área, e é puramente hipotético...

Igor Lobão disse...

Parece-me que você ao colocar a questão no plano meramente fantasmático, não tem em conta o que de Real e de Simbólico exista no "aborto" (palavra que em si condensa muitos sentidos a não serem desprezados - o facto de se recorrer a termos "técnicos", serve, num grande número de vezes, a des-substancializar o "mal-estar" que essas palavras condensam em si mesmas). Nomeadamente no que de simbólico reside, por exemplo, na questão que Freud ousa formular a partir do discurso de suas pacientes - "o que quer uma mulher?" -, numa clara alusão ao "continente negro" que ele considera residir no enigma da feminilidade.

O que quer uma mulher com o aborto?, perguntemo-nos pois. Esta é, quanto a mim, uma pergunta que nós, "tecnicos", poderemos formular. A resposta já não estará do nosso lado, mas de cada mulher individualmente, tendo em conta o que de Real, dos determinantes reais da sua própria vida, está enlaçado com aquelas que são as suas marcas simbólicas.

Quanto a nós, sejamos técnicos, sejamos homens, resta fantasiar uma resposta, que é a forma como nós nos implicamos subjectivamente no assunto.

Agora, também me permita acrescentar uma coisa. Esta, na minha opinião, não é uma questão para um referendo. É uma questão de vontade política, que neste caso, foi a de entreter a "cabecinha" nos portugueses, que ficaram tão entretidos em impor a suas argumentações, que nem conseguiram ouvir os motivos do Outro, nem criar um verdadeiro debate público sobre a questão.

Ricardo Pina disse...

Cara Ali_se

Respeito a sua sensibilidade às palavras que aqui proferi, algumas delas de significado bem pesado, mas, e correndo o risco de estar enganado, presumo também por isso que você não esteja propriamente familiarizada com a literatura psicanalítica. Se o estivesse, então estaria consciente de que termos como filicídio, mãe destruidora, sadomasoquismo e sexualidade assumem dentro da teoria psicanalítica um significado bem diferente daquele que é popularmente conhecido. Respeito, por isso, o seu choque ao ler as minhas palavras e, caso tenha atingido de alguma forma a sua sensibilidade, apresento-lhe as minhas sinceras desculpas.
Despindo-a de contornos técnicos, a opinião que apresentei é uma mera hipótese que postula o sofrimento da mulher provocado pelo duro golpe na sua auto-imagem como mãe ao interromper a sua gravidez. O conceito de «mãe destruidora» existe e é utilizado em Portugal no estudo do sofrimento de mães seropositivas, para simbolizar a auto-imagem de algumas dessas mães; a minha opinião foi fundamentada pela teoria de Melanie Klein que foi uma mulher psicanalista cujos trabalhos tenho em grande consideração, essa que é partilhada com um terço da Sociedade Britânica de Psicanálise.
Mais, acredito profundamente que é direito fundamental da mulher (e só dela) decidir se quer interromper a sua gravidez ou não. Contudo, foi perguntado no post a opinião sobre as implicações psicológicas desse feito, e limitei-me a dar uma opinião sobre isso, que é tão válida como qualquer outra. Deixe-me que lhe diga, contudo, que o seu comentário, além de ter sido extremamente indelicado pois implica uma assunção e um julgamento a nível pessoal, foi também completamente desprovido de conhecimento - primeiro, sobre a minha pessoa, e aparentemente também sobre a psicanálise.

lobices disse...

...ver e ouvir a opinião do Prof. Júlio Machado Vaz:

www.youtube.com/watch?v=oMYzdf4t8IY

João Lisboa disse...

Bom, eu sou apenas Realizador. Longe de mim meter-me a discutir opiniões neste espaço tão especifico.
No artigo em questão, depois de ter lido o segundo comentário de Ricardo Pina, fiquei mais esclarecido da sua opinião. O facto de ter usado uma linguagem mais comum, mas não menos esclarecedora, permitiu que percebesse a sua opinião com a qual concordo plenamente.
Não me parece que mulher alguma, que tenha necessidade de recorrer ao aborto, saia dessa situação impunemente.
Creio que é uma situação que deixa marcas profundas. A situação de fragilidade, em que a mulher se encontra, quando vai para o acto abortivo, deixa lesões para sempre. A consciencia da perda, o sentimento invasivo do seu corpo, aliados a todo o tipo de pressões judiciárias, sociais, e até familiares, creio eu, que deixará todo um conjunto de marcas, que se manifestaram para todo o sempre.
Penso que mulher nenhuma se sujeita a passar por esta experiência sem ter uma enorme necessidade de recorrer a este acto extremo!

Anónimo disse...

Caro Ricardo e demais leitores deste interessante e inteligente Blog.
Sou Filósofo e Psicanalista e estou às voltas de um caso de uma paciente que irá praticar um aborto.
Não estamos trabalhando em análise o certo ou errado, pois não há julgamentos em psicanálise. Estamosn(eu e a paciente) construindo um percurso através do qual ela possa elaborar a questão - tão delicada - do aborto.
Ela está no incío (um mês incompleto) e tem medo de que passe o tempo e ela não consiga efetivar o aborto... por amor a este ser que já existe... Olha aí!
É isto que estamos a trabalhar... A aposta é dela sem dúvida... Como é delicado uma situação destas. Nós analistas ou amamos o que fazemos ou então é preferível abrirmos mão de nossa profissão.
Todas as opiniões são sempre bem-vindas... Sempre bem-vindas. Obrigado pela oportunidade de aprender por aqui também.
Só não podemos ficar atrelados à Teoria e esquecermos a dor de nossos pacientes...
Octávio Marcondes Machado Marchi
Psicanalista em São Paulo, Brasil
psicanalise_marcondes@hotmail.com