sábado, janeiro 20, 2007

ACERCA DA FELICIDADE

Acompanhei há duas ou três semanas atrás no programa "Câmara Clara" (a propósito, num panorama televisivo lamentável, este programa é dos poucos que se consegue ver com interesse) um debate sobre a felicidade.
Ora aqui está um tema intrigante e há que agradecer à Paula Moura Pinheiro tê-lo chamado à colação. Não vou aqui resumir o que se disse no programa, não há espaço para isso. Mas seria bom que o tema fosse mais vezes discutido porque poucos conceitos haverá que possam ser mais enganadores.
Para começar, e só para provocar a discussão, alguém me sabe dizer o que é a felicidade? É subjectivo, dir-me-ão. Isto da subjectividade é como o caramelo, agarra-se aos dentes, neste caso à língua das pessoas, e aparece a propósito de tudo e de nada. Ou seja, ficamos na mesma.
Durante o tal debate a Paula Moura Pinheiro leu o notável documento fundador dos Estados Unidos da América, a Declaração de Independência, onde, em 1776 ficou consagrado o direito à BUSCA da felicidade. Ao contrário do que muita gente diz, parece que no espírito dos pais fundadores, estava mais a busca do que a felicidade propriamente dita, que provavelmente lhes soava a utopia. O que lá está escrito é: (…) unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.
Ora isto da felicidade a mim também me soa a utopia. E a vocês?
Nas últimas décadas tem sido óbvia a ênfase, propalada em livros, revistas, jornais e media em geral, na quase obrigação de se ser feliz.
Tem de se ser bonito, jovem, inteligente, atraente, com sucesso.
Se não, é-se infeliz. Está-se condenado à infelicidade.
Que mentes pós-modernas terão decretado isto? Como é que chegámos aqui? Não admira que tanta gente se sinta infeliz sob o diktat da "felicidade ao alcance de todos". E nós, psis, sabemos isto melhor do que ninguém. É-nos tão familiar esta queixa.
Está aberta a discussão.

16 comentários:

Ana Almeida disse...

Talvez a felicidade seja um desses conceitos que só fazem verdadeiramente sentido na busca... é o caminho que conta e não o sítio onde se tenta chegar...

Ana Almeida disse...

É curioso que num primeiro momento parece-me mais fácil definir a infelicidade do que a felicidade. Será mais “palpável” a infelicidade? Psicanaliticamente falando parece-me que o sentimento de felicidade prende-se, de alguma forma, com o rejubilar narcísico. Que te parece, Clara?

Ana Almeida disse...

No dicionário da língua portuguesa da Porto Editora:

Felicidade - substantivo feminino
estado de quem é feliz;
ventura;
boa fortuna;
dita;
sorte;
bom êxito;
contentamento.

(Do lat. felicitáte-, «id.»)

Ana Almeida disse...

Por vezes fico feliz ao contemplar coisas que percepciono como belas...

João Guerreiro disse...

Olá Clara e Ana!

É realmente intrigante a forma como, agarrados a essa “bitola” irremediavelmente diferente para cada um se vai avaliando, com maior ou menor fidelidade ao nosso mundo interno, o facto de se ser ou não feliz.

Vou arriscar uma definição: Felicidade poderá resumir-se ao título do famoso romance de Émile Zola: “Joie de Vivre”! Quando a tento operacionalizar não posso deixar de concordar com a Ana Almeida: A somar ao júbilo narcísico, adquire para mim o seu verdadeiro sentido quando é tida como “fito”, mobil. Fortuitamente ou não, essa é também a ideia que fica plasmada no termo “pursuit”, quando olhamos para o artigo da “Declaration of Independence”. E aqui entre nós que ninguém nos ouve, acho que Blaise Pascal não discordaria:

“Rien ne nous plaît que le combat, mais non pas la victoire(…) Ainsi dans le jeu. Ainsi dans la recherche de la vérité, on aime à voir, dans les disputes, le combat des opinions: mais de contempler la vérité trouvée, point du tout (…). Nous ne cherchons jamais les choses, mais la recherche des choses.

Blaise Pascal, in "Pensées" (135).

João Martins Leitão disse...

Alguém que se sente a maior do tempo sereno é feliz? Creio que sim. Para mim felicidade é então um estado de humor de base, uma emoção de base para além dos picos emocionai(influência de António Damásio), que corresponde a um estado de equilíbrio, de homeostase, entre o organismo total e o meio, a que corresponde um sereno "gostar de existir"...
Faz sentido para vós?

João Martins Leitão disse...

Por inspiração de António Damásio, parece-me que a felicidade, é um sentimento de fundo, diferente duma emoção como o êxtase ou a euforia. É uma representação do estado do corpo, que corresponde a um estado de equilíbrio entre o organismo total e o meio, que pode ser verbalizado com um "sinto-me bem". O que vos parece?

Heloisa disse...

"A vida é sofrimento com espasmos de felicicidade"
Não acredito que exista a felicidade plena, mas espasmos e momentos (dos mais simples aos mais complexos)de felicidade. É um estado e não uma condição.

Cleopatra disse...

A felicidade... é saber saborear todos os momentos... saboreando,.....tudo!

è saber ouvir..
E saber que se é escutado...
è saber sentir e tentar sentir o que os outros sentem...

É saber sorrir de si próprio...
Sei lá....
Mas sei que não é a perfeição absoluta...
Felicidade também é poder dizer: - Não gosto!

Um dia volto para falar de felicidade....

Anónimo disse...

a mim parece-me que a felicidade é uma maneira de estar, de encarar a vida. explico, não é tanto o sentimento em si, mas sim o modo como se está perante decisões e problemas. mais, acho que há uma relação estreita entre auto-estima e felicidade...

Rosa Silvestre disse...

Existe tanta gente bonita, talentosa,jovem e inteligente que não é feliz!Onde ficamos????

Anónimo disse...

Assim sem pensar em mais nada, felicidade deve ser o que sente quem não pensa nestas coisas...
O que vos parece?

R. disse...

Bom, parece-me demasiado ambicioso tentar dar aqui uma definição de felicidade mesmo fazendo-me valer de teorias de autores consagrados. Mas posso deixar aqui a minha opinião e a minha experiência pessoal acerca deste tema universal. Primeiro, também acho que a felicidade é subjectiva e que por isso se baseia em experiências pessoais que se traduzem em mais valias para o sujeito, e que são impulsionadoras da sensação de prazer.
Também acho que não há felicidade sem liberdade e sem escolhas. Para mim aqui reside a essência do que é a felicidade. No entanto, estas são valências que nem sempre se atribuem imediatamente à felicidade. Primeiro são referidas a saúde, o êxito, o amor. Mas para mim quem se vê privado da sua liberdade, incluindo a liberdade de fazer escolhas está definitivamente imputado na sua capacidade de ser feliz.

Clara Pracana disse...

Também acho que não há felicidade sem liberdade e sem escolhas, disse a Amora.
Gostei. E tem muito a ver com a psicoterapia psicanalítica/psicanálise. Eu costumo dizer que a psicanálise aumenta os graus de liberdade do sujeito (quem se lembra da matemática?
Quanto à questão do rejubilar narcísico, que a Ana A põe, ai parece-me que é mais pelo lado do princípio do prazer. Faz lembrar aquela classificação do Lacan: jubilação, prazer e gozo. Onde é que se encaixa aqui a joie de vivre de que fala o João G? Julgo que mais no prazer. Que achas, João?

Anónimo disse...

E porque este tema é-me particularmente caro, tenho a dizer que:

A verdadeira felicidade existe sim, mas por seres que somos feitos:
de Desejo, de Gostar, de Prazer – em Devir.
E não em seus contrários:
de Vontade, de Querer, de Poder – no Dever.

Ou seja, quando felizmente a Vida e o Ser se prioriza na determinação do Devir e não na do Dever.

Com um abraço de Alice

felizmina disse...

Parece-me que nos esquecemos muitas vezes que, tendo sido os Estados Unidos a proclamar o conceito de felicidade, aí deve haver gato...um gato gordo e sorridente com a cauda do capitalismo a espraiar-se pelo mundo ocidental. A felicidade, tal como é encarada hoje, exige um sem número de condições, condições essas que se prendem, em última instância, com o consumismo.
Existem lugares onde a felicidade não representa o Santo Graal; onde a busca pela honra, pelo alimento, pela segurança da família, se revestem de mais importância. Existem, pois, no sentido de finalidade/sentido da existência do ser humano, várias felicidades. A nossa, bem ao estilo estado-unidense, materializa-se. Incentiva à existência de uma oferta de todos os tipos de produtos, desde o champô ao automóvel, ao creme anticelulítico (que, supostamente, é adjuvante da sedução que leva à conquista que leva ao amor que leva à felicidade), à cervejinha que se bebe com os amigos ao fim de um dia de trabalho, à cultura (que leva à aceitação social que leva à auto-estima que leva à felicidade, e que é paga, e bem!), às nossas casas e objectos com que as decoramos (que levam ao conforto e à aceitação social que leva à...felicidade!).
Felizes os que ambulam pela vida sem fazer caso da felicidade, porque deles é o seu reino.
Já sei que este é um post com um cheirinho anti-capitalista, mas ressalvo a minha "apoliticidade" na questão.