Acompanhei há duas ou três semanas atrás no programa "Câmara Clara" (a propósito, num panorama televisivo lamentável, este programa é dos poucos que se consegue ver com interesse) um debate sobre a felicidade.
Ora aqui está um tema intrigante e há que agradecer à Paula Moura Pinheiro tê-lo chamado à colação. Não vou aqui resumir o que se disse no programa, não há espaço para isso. Mas seria bom que o tema fosse mais vezes discutido porque poucos conceitos haverá que possam ser mais enganadores.
Para começar, e só para provocar a discussão, alguém me sabe dizer o que é a felicidade? É subjectivo, dir-me-ão. Isto da subjectividade é como o caramelo, agarra-se aos dentes, neste caso à língua das pessoas, e aparece a propósito de tudo e de nada. Ou seja, ficamos na mesma.
Durante o tal debate a Paula Moura Pinheiro leu o notável documento fundador dos Estados Unidos da América, a Declaração de Independência, onde, em 1776 ficou consagrado o direito à BUSCA da felicidade. Ao contrário do que muita gente diz, parece que no espírito dos pais fundadores, estava mais a busca do que a felicidade propriamente dita, que provavelmente lhes soava a utopia. O que lá está escrito é: (…) unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.
Ora isto da felicidade a mim também me soa a utopia. E a vocês?
Nas últimas décadas tem sido óbvia a ênfase, propalada em livros, revistas, jornais e media em geral, na quase obrigação de se ser feliz.
Tem de se ser bonito, jovem, inteligente, atraente, com sucesso.
Se não, é-se infeliz. Está-se condenado à infelicidade.
Que mentes pós-modernas terão decretado isto? Como é que chegámos aqui? Não admira que tanta gente se sinta infeliz sob o diktat da "felicidade ao alcance de todos". E nós, psis, sabemos isto melhor do que ninguém. É-nos tão familiar esta queixa.
Está aberta a discussão.
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16 comentários:
Talvez a felicidade seja um desses conceitos que só fazem verdadeiramente sentido na busca... é o caminho que conta e não o sítio onde se tenta chegar...
É curioso que num primeiro momento parece-me mais fácil definir a infelicidade do que a felicidade. Será mais “palpável” a infelicidade? Psicanaliticamente falando parece-me que o sentimento de felicidade prende-se, de alguma forma, com o rejubilar narcísico. Que te parece, Clara?
No dicionário da língua portuguesa da Porto Editora:
Felicidade - substantivo feminino
estado de quem é feliz;
ventura;
boa fortuna;
dita;
sorte;
bom êxito;
contentamento.
(Do lat. felicitáte-, «id.»)
Por vezes fico feliz ao contemplar coisas que percepciono como belas...
Olá Clara e Ana!
É realmente intrigante a forma como, agarrados a essa “bitola” irremediavelmente diferente para cada um se vai avaliando, com maior ou menor fidelidade ao nosso mundo interno, o facto de se ser ou não feliz.
Vou arriscar uma definição: Felicidade poderá resumir-se ao título do famoso romance de Émile Zola: “Joie de Vivre”! Quando a tento operacionalizar não posso deixar de concordar com a Ana Almeida: A somar ao júbilo narcísico, adquire para mim o seu verdadeiro sentido quando é tida como “fito”, mobil. Fortuitamente ou não, essa é também a ideia que fica plasmada no termo “pursuit”, quando olhamos para o artigo da “Declaration of Independence”. E aqui entre nós que ninguém nos ouve, acho que Blaise Pascal não discordaria:
“Rien ne nous plaît que le combat, mais non pas la victoire(…) Ainsi dans le jeu. Ainsi dans la recherche de la vérité, on aime à voir, dans les disputes, le combat des opinions: mais de contempler la vérité trouvée, point du tout (…). Nous ne cherchons jamais les choses, mais la recherche des choses.
Blaise Pascal, in "Pensées" (135).
Alguém que se sente a maior do tempo sereno é feliz? Creio que sim. Para mim felicidade é então um estado de humor de base, uma emoção de base para além dos picos emocionai(influência de António Damásio), que corresponde a um estado de equilíbrio, de homeostase, entre o organismo total e o meio, a que corresponde um sereno "gostar de existir"...
Faz sentido para vós?
Por inspiração de António Damásio, parece-me que a felicidade, é um sentimento de fundo, diferente duma emoção como o êxtase ou a euforia. É uma representação do estado do corpo, que corresponde a um estado de equilíbrio entre o organismo total e o meio, que pode ser verbalizado com um "sinto-me bem". O que vos parece?
"A vida é sofrimento com espasmos de felicicidade"
Não acredito que exista a felicidade plena, mas espasmos e momentos (dos mais simples aos mais complexos)de felicidade. É um estado e não uma condição.
A felicidade... é saber saborear todos os momentos... saboreando,.....tudo!
è saber ouvir..
E saber que se é escutado...
è saber sentir e tentar sentir o que os outros sentem...
É saber sorrir de si próprio...
Sei lá....
Mas sei que não é a perfeição absoluta...
Felicidade também é poder dizer: - Não gosto!
Um dia volto para falar de felicidade....
a mim parece-me que a felicidade é uma maneira de estar, de encarar a vida. explico, não é tanto o sentimento em si, mas sim o modo como se está perante decisões e problemas. mais, acho que há uma relação estreita entre auto-estima e felicidade...
Existe tanta gente bonita, talentosa,jovem e inteligente que não é feliz!Onde ficamos????
Assim sem pensar em mais nada, felicidade deve ser o que sente quem não pensa nestas coisas...
O que vos parece?
Bom, parece-me demasiado ambicioso tentar dar aqui uma definição de felicidade mesmo fazendo-me valer de teorias de autores consagrados. Mas posso deixar aqui a minha opinião e a minha experiência pessoal acerca deste tema universal. Primeiro, também acho que a felicidade é subjectiva e que por isso se baseia em experiências pessoais que se traduzem em mais valias para o sujeito, e que são impulsionadoras da sensação de prazer.
Também acho que não há felicidade sem liberdade e sem escolhas. Para mim aqui reside a essência do que é a felicidade. No entanto, estas são valências que nem sempre se atribuem imediatamente à felicidade. Primeiro são referidas a saúde, o êxito, o amor. Mas para mim quem se vê privado da sua liberdade, incluindo a liberdade de fazer escolhas está definitivamente imputado na sua capacidade de ser feliz.
Também acho que não há felicidade sem liberdade e sem escolhas, disse a Amora.
Gostei. E tem muito a ver com a psicoterapia psicanalítica/psicanálise. Eu costumo dizer que a psicanálise aumenta os graus de liberdade do sujeito (quem se lembra da matemática?
Quanto à questão do rejubilar narcísico, que a Ana A põe, ai parece-me que é mais pelo lado do princípio do prazer. Faz lembrar aquela classificação do Lacan: jubilação, prazer e gozo. Onde é que se encaixa aqui a joie de vivre de que fala o João G? Julgo que mais no prazer. Que achas, João?
E porque este tema é-me particularmente caro, tenho a dizer que:
A verdadeira felicidade existe sim, mas por seres que somos feitos:
de Desejo, de Gostar, de Prazer – em Devir.
E não em seus contrários:
de Vontade, de Querer, de Poder – no Dever.
Ou seja, quando felizmente a Vida e o Ser se prioriza na determinação do Devir e não na do Dever.
Com um abraço de Alice
Parece-me que nos esquecemos muitas vezes que, tendo sido os Estados Unidos a proclamar o conceito de felicidade, aí deve haver gato...um gato gordo e sorridente com a cauda do capitalismo a espraiar-se pelo mundo ocidental. A felicidade, tal como é encarada hoje, exige um sem número de condições, condições essas que se prendem, em última instância, com o consumismo.
Existem lugares onde a felicidade não representa o Santo Graal; onde a busca pela honra, pelo alimento, pela segurança da família, se revestem de mais importância. Existem, pois, no sentido de finalidade/sentido da existência do ser humano, várias felicidades. A nossa, bem ao estilo estado-unidense, materializa-se. Incentiva à existência de uma oferta de todos os tipos de produtos, desde o champô ao automóvel, ao creme anticelulítico (que, supostamente, é adjuvante da sedução que leva à conquista que leva ao amor que leva à felicidade), à cervejinha que se bebe com os amigos ao fim de um dia de trabalho, à cultura (que leva à aceitação social que leva à auto-estima que leva à felicidade, e que é paga, e bem!), às nossas casas e objectos com que as decoramos (que levam ao conforto e à aceitação social que leva à...felicidade!).
Felizes os que ambulam pela vida sem fazer caso da felicidade, porque deles é o seu reino.
Já sei que este é um post com um cheirinho anti-capitalista, mas ressalvo a minha "apoliticidade" na questão.
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