Dizer “Não” aos filhos é uma das dificuldades mais
frequentes que os pais apresentam nos dias de hoje. Curiosamente é uma das
primeiras palavras, se não mesmo a primeira, que as crianças aprendem. Não é
por acaso que por volta dos 15 meses, a criança diz “Não” enquanto explora e
olha para os pais pelo canto do olho, antecipando o que vai ouvir. Também não é
por acaso que ergue o dedo indicador e refila em resposta à repreensão dos
pais. Desde cedo, a criança procura autonomizar-se, recorrendo a um certo negativismo
que serve o seu desejo de independência, mas também a procura de proteção.
Quando testa os limites, a criança está a pedir ajuda para
aprender o que pode ou não fazer. Como refere o pediatra americano Brazelton,
“a disciplina é um projeto de ensino a longo prazo”. O mais importante para a
criança é o amor e a aprovação dos pais, pelo que tentará sempre responder e
corresponder às suas expetativas. Expetativas consistentes, razoáveis e
previsíveis ajudam a criança a ganhar controlo sobre o seu comportamento.
Apesar do aumento significativo do diagnóstico de
hiperatividade e da tentativa de o tornar mais rigoroso, muitas destas crianças
são, na verdade, “hiper-mal-educadas”. O que não significa que não sejam
crianças em sofrimento. Crianças omnipotentes, que querem (ou precisam)
controlar tudo e todos, mas que procuram que alguém as controle, ou seja, que
as contenha.
Com o ritmo acelerado que a maior parte das famílias
vivencia atualmente, a exaustão é inimiga da tolerância. A criança passa todo o
dia ansiosa por voltar a ver os seus pais e quando isso acontece, tende a
extravasar as emoções. Os pais estão cansados, as crianças estão cansadas, o
que por vezes dificulta a gestão do comportamento e das emoções. Por outro
lado, os pais sentem-se culpabilizados pela sua ausência, não querendo estragar
o pouco tempo que têm com negociações ou repreensões. Talvez em relação com as
suas próprias vivências, alguns pais acham que se contrariarem a criança esta
vai gostar menos deles, até porque muitas vezes lhes diz “és mau/má, não gosto
de ti”. E é nesta altura que os pais devem dizer “mas eu gosto muito de ti,
mesmo quando me zango contigo ou tu ficas zangado/a comigo”.
Quando a criança não ouve um “não”, isso vai gratificá-la em
algumas situações, mas principalmente vai deixá-la num grande estado de
insegurança. Digo muitas vezes aos pais que é como se a criança sentisse que se
quiser atirar-se da janela, os pais vão deixar porque, afinal, nunca lhe dizem
que não. E esta falta de limites, de contenção, de proteção, deixa a criança
com um tremendo sentimento de desamparo. Daí a sua necessidade de controlar o
meio, com birras, passagens ao ato, etc. A criança procura ser travada. Para a
pedopsiquiatra e psicanalista Maria José Gonçalves, a satisfação imediata, seja
em que área da vida da criança for, dificulta-lhes o lidar com a realidade e
com os seus constrangimentos". Por este motivo é tão importante a
consistência das regras; se se cede uma vez, a criança vai aprender que se
insistir muito, vai conseguir o que quer. E este comportamento vai estender-se
à relação com os professores e com os amigos, de quem vai sentir rejeição e
incompreensão, por se ver confrontada com a frustração a que não está
habituada, o que pode alimentar os comportamentos de oposição e até de
agressividade. É, por isso, essencial perceber que a realidade tem limites, que
existe o certo e o errado, e também desta forma a criança aprenderá a fazer
escolhas e a dizer “não” ao que lhe pode fazer mal.
A maior parte das crianças não precisa de muitas regras, nem
que estas sejam muito rígidas. Precisam sim de regras consistentes, razoáveis e
previsíveis. Aliás, para o psicanalista António Coimbra de Matos, mais do que
disciplina, “as crianças precisam de ter um ambiente disciplinado e organizado”.