"Ok, já percebi que os meus problemas vêm das experiências do meu passado, mas agora já não posso fazer nada!"
Na continuação do post escrito sobre a importância do passado no presente, urge também esta questão de fundo, facilmente atribuível a uma pessoa recém-chegada à psicoterapia. Mais uma vez, é uma das questões fulcrais que leva a que a psicoterapia seja ainda pouco valorizada (no mínimo), ou algo de misterioso (no máximo). É raro (porque difícil!) saber ao que se vai quando se empreende este processo de auto-descoberta e auto-transformação. Sobretudo como funciona!
A nossa mente é extraordinária. Ao contrário dos outros seres vivos, o ser humano tem uma capacidade de mediação da realidade que lhe permite uma criatividade, imaginação e liberdade sem iguais. A nossa capacidade de simbolização, de armazenamento e tratamento de informação permite-nos uma coisa fantástica que é a de antecipar. Prever o mundo implica compreendê-lo, explicá-lo, estabelecer relações causais, permitindo um maior controlo e adaptação ao mesmo. Em causa está também a nossa capacidade de aprender.
No entanto, esta inteligência de que somos dotados não é linear e depende de muitos mecanismos associados. Nomeadamente, o "cérebro emocional" está intimamente ligado à motivação e estabelecimento de prioridades ao nível dessas mesmas aprendizagens. Tem sobretudo uma função de sobrevivência, agindo de forma muito mais rápida e automática do que o córtex pré-frontal, onde as informações são processadas racional e calmamente. Por exemplo, se algo de perigoso estiver para acontecer (ex. atropelamento eminente!) é o cérebro emocional que nos faz reagir rapidamente de forma a retomarmos a segurança.
Na patologia, o que acontece é, por assim dizer, uma sobre-aprendizagem (envolvendo uma hiper-sensibilidade) relativamente a acontecimentos identificados como "perigosos" (porque vividos com muito medo, stress, sofrimento). Assim como no sistema imunitário (ex. das vacinas), criam-se muitos "anti-corpos" contra determinadas experiências vivenciadas no passado como muito stressantes. Ou seja, procura evitar-se a todo custo certos estímulos (evitação, fobia, medo, pânico...), constroem-se defesas de todos os tipos (insensibilidade, desistência, ataque, distorções da realidade, etc.).
O problema da patologia está precisamente na função de sobrevivência que estas "aprendizagens emocionais" têm e que por isso mesmo são muito difíceis de as desconstruir porque se sobrepõem automaticamente à nossa inteligência mais racional e fria.
Na psicoterapia o que, justamente, se procura pôr em marcha é o poder que a mente tem de influenciar estas aprendizagens "viscerais" através do "cérebro racional" (córtex pré-frontal). A psicoterapia psicanalítica, através da associação de ideias, pretende compreender, com a ajuda da relação terapêutica, a origem e disseminação destas memórias, avivando-as e trabalhando-as. A psicoterapia EMDR, por exemplo, pretende fazer algo de semelhante, apesar de não ser tão exploratória; é mais focada e directiva, beneficiando, por outro lado, da estimulação alternada dos dois hemisférios (e dos dois cérebros - "emocional" e "racional") o que acelera a comunicação de informação e integração de conhecimentos.
Em todo caso, em ambas as terapias referidas, existe um denominador comum: acede-se ao poder da mente para voltar a "viver" as experiências emocionalmente negativas no sentido de as ultrapassar com a ajuda da relação terapêutica securizante e compreensiva.
É este um dos grandes poderes da mente: capaz de nos fazer viver fora do presente (podendo mesmo levar-nos à loucura!), possui também a capacidade de não precisar de ir literalmente ao passado com uma máquina do tempo, mas sim através da nossa mente, das nossas memórias. A nossa capacidade para simular a realidade, para imaginar, lembrar, criar mentalmente, permite-nos (ao contrário dos outros animais) enfrentar realidades, perigos, pessoas e até de viajarmos no tempo, sem sairmos de uma cadeira. A psicoterapia permite, deste modo, ajudar a enfrentar e ultrapassar os nossos maiores receios sem que seja preciso vivê-los, outra vez, na realidade. É este o poder da mente!